17 | Fugitiva

81 10 3
                                    

- Está presa! - a Amazona, com cara de poucos amigos, se dirige a mim.

- Não mesmo! - Me transformo em rinoceronte, me lanço contra o vidro da única janela do quarto, quebro tudo e, durante a queda livre, me converto para uma águia, logo ganho o céu enluarado. Podia chamar minha nuvem voadora mas ainda tenho medo de voar nela durante a noite, isso poderia me fazer cair, ainda mais agora nesse desespero.

Estava voando meio aliviada por ter conseguido fugir, porém a Amazona não quer me perder tão fácil, sacou seu arco com flecha e, da janela vandalizada, passou a tentar me acertar. Viro um morcego assim minha cor me camufla no breu noturno, fico menor para seu campo de visão, o que pode ser ótimo para a minha sobrevivência mesmo diante da guerreira enfurecida mais experiente da região, uso a ecolocalização para me guiar principalmente nos cantos mais escuros e ficar a salvo nas grutas de uma caverna.

Quando fico livre da saraivada de flechas, na gruta, meu corpo amolece e volto ao meu eu original, sentindo como se tivesse acabado de sair de um brinquedo muito louco como a famigerada montanha russa, minhas entranhas doem e o mundo ao redor parece girar rápido demais. A parte da tontura já estou quase me acostumando, faz parte de ser uma metamorfo, como Wukong consegue conviver com essas reações adversas, usando tal poder a todo instante, durante uma luta, eu não sei mas gostaria muito de saber. Talvez seja alguma habilidade adquirida com o tempo, do jeito que ele tem tantos séculos de existência...

Meu coração vai se acalmando, mas uma espécie de angústia vai crescendo no peito. Aquela esfera só pode estar quebrada! Bem antes de mim aparecer para espatifar. Somente com as estalactites e estalagmites de companhia, berro de ódio, minha vida nunca ficou tão sem sentido como agora, como posso ficar insana? Como o mestre pode ser o culpado? Tantas perguntas sem respostas...

- Valente...? - ouço a voz do Wukong.

- Me... M-estre? - Começo a suar frio. Ele já sabe de tudo? Vou até a silhueta do começo da gruta.

- O que está fazendo aqui?

- Eu... eu fiz besteira - me aproximo dele até lhe ver perfeitamente. Ficamos bem debaixo de uma fenda onde a Lua lança parte de seus feixes serenos sobre nós.

- Pode explicar?

- Derrubei aquela esfera... aquela que prevê acontecimentos.

- O que ela te mostrou?

Sinto um revolver do estômago, aquela pergunta foi pior do que um soco direto no abdômen, engulo em seco e ouso responder com mentiras.

- N-nada... - encaro suas botas - fui atrás só para ver de perto mesmo e acabei derrubando ela, me desculpa, não era a minha intenção...

- Está tudo bem - ele pousa sua mão em meu ombro.

- Está mesmo? - Levanto a cabeça tão rápido que sinto tontura - uma Amazona disse que estou presa!

- Calma, sem agonia - ele retira a mão do meu ombro e aperta seu cajado fincado no chão com ambas as mãos. - Já conversei com a rainha sobre isso e está tudo resolvido.

- S-sério mesmo? Então estou livre?

- Sim. Tão livre que pode fazer suas malas e ir embora do reino das mulheres para sempre. Você foi banida.

- Nossa...

- E está dispensada, não preciso de uma discípula tão sem disciplina, não pode nem se quer ir dormir na hora certa para acordar cedo para treinar. Isso aqui não é um antro para cuidar de gente irresponsável como você, saia.

- Me perdoe, mestre! Por favor não me mande embora! Nem para minha família posso voltar mais...

- Pode... pode sim. Vai ser uma tortura para eles mas é melhor do que você se colocar em risco sem ganhar nada em troca.

- Prometo nunca mais sair assim sem avisar e visitar lugares proibidos, por favor, não me manda embora!

- Chega! Basta!

- Ok. Ok, é isso.

- E não me olhe assim...

- Não te olhar assim? - permito que algumas lágrimas rolem. - Não te olhar assim! Na boa, eu esperava mais de você! Muito mais! Você... - enxugo meu rosto - me decepcionou também! Fica escondendo as coisas, qual é! Sou sua aprendiz, o mais errado daqui é você por não me deixar a par do que acontece, sempre foi superprotetor demais! Sou frágil mas não sou feita de vidro, espero que perceba isso algum dia - correndo, ganho o lado de fora da gruta.

- Valente! - os passos dele atrás de mim vão ficando mais audíveis.

- Me erra.

- Hey! - ele segura meu antebraço e quase meto um tapa nele mas paro quando percebo seu corpo mudar de forma.

- Macaque...?

- Sim - Six Eared me solta.

- Você também é um metamorfo? Porque me enganou desse jeito? Heim?

- Só queria saber se estava segura do que estava fazendo e, de quebra, fiz você prometer ser uma mocinha mais comportada daqui em diante.

- Se eu não tivesse chorado, já estaria te batendo agora!

- Osh! O que uma coisa tem haver - dou uns tapinhas no seu bíceps - ai! Com a outra?

- Ah eu sei lá, tá legal? Só não me assuste assim de novo...

- Wukong é tão assustador assim?

- Quando alguém querido que é um norte na sua vida te manda embora, essa é de longe uma das piores coisas que podem acontecer. Por isso foi tão assustador. Credo, me dispensar daquele jeito...

- Segundo as lendas, Wukong berrou igualzinho a você quando Sanzang o mandou embora.

- Macaque, você realmente quer ficar roxo hoje!

- Calma, calma.

- Calma nada! Sou uma criminosa de novo! O que vou fazer?

- Wukong vai cuidar disso, mas até lá, vai ficando por aqui, vou trazer comida e roupas.

- Mas traz mesmo ou vou morrer aqui.

- Para hoje, posso trazer uma esteira para você poder dormir.

- Seria melhor uma cama mesmo - suspiro e posso jurar que vi Six menear a cabeça levemente. - Mas tudo bem, aceito, não estou em posição de exigir nada no momento.

A Discípula de Sun WukongWhere stories live. Discover now