22: um acerto de contas

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Tão confortável quanto ficava em seu próprio apartamento, Harry havia passado os últimos dias na casa dos Tomlinson. Os pais de Niall estavam na cidade para uma visita e, por mais que seu amigo tivesse garantido que sua presença era bem-vinda, o cacheado quis ter certeza de que eles teriam privacidade e espaço para matar as saudades.

Louis, é claro, foi o maior apoiador da sua ideia. Se pudesse escolher, o chef passaria todas as horas do seu dia ao lado do namorado e, por mais que dormissem juntos na maioria das noites, era gostosa a sensação de morar novamente debaixo do mesmo teto - mesmo que apenas por duas semanas.

A rotina que os dois tinham estabelecido funcionava como se fosse praticada há anos e não recém-criada. Pela manhã, tomavam café juntos antes que o mais velho levasse Styles até a faculdade. Depois do almoço, se encontravam no trabalho e, no fim de seus turnos, voltavam para casa e assistiam qualquer coisa na televisão até pegarem no sono.

Naquela noite em especial, Louis dormiu primeiro. Ele havia tido um dia estressante e não precisou de mais que cinco minutos de uma reprise de Um Maluco no Pedaço para cair em um sono profundo. Harry, pelo contrário, estava mais acordado do que nunca e decidiu que seria uma boa ideia avançar um pouco em um trabalho que estava fazendo para uma de suas aulas.

Zelando pelo descanso do namorado, recolheu seus materiais e saiu do quarto com cuidado, rumando para a cozinha em busca de um espaço vazio em que pudesse estudar. Se surpreendeu, no entanto, ao descobrir que o cômodo não apenas estava ocupado, mas também quem estava ali.

Debruçada sobre o balcão e com espasmos que sugeriam que ela estava chorando, Charlotte demorou um pouco para perceber que tinha companhia. Por alguns segundos, os dois - que não se viam pessoalmente desde o fiasco do anel "roubado" - apenas se encararam, nenhum certo sobre como prosseguir.

A garota não parecia em condições de conversar, não se o seu rosto inchado e manchado de maquiagem fosse uma indicação do seu estado de espírito. Harry, por outro lado, estava dividido. Racionalmente, sabia que deveria virar as costas e voltar para o quarto que compartilhava com o namorado, mas uma parte minúscula do seu coração lhe implorava para que descobrisse o que estava acontecendo e, se possível, fizesse algo para ajudar.

No fim das contas, apenas suspirou antes de largar o que segurava em cima da mesa e pegar uma chaleira no armário, começando a esquentar um pouco de água em seguida. Poucos minutos depois, tinha duas xícaras de chá em mãos e estendeu uma delas para a cunhada, que hesitantemente aceitou.

– O que você está fazendo aqui? - ele perguntou depois do primeiro gole.

– Essa ainda é a minha casa - respondeu de forma defensiva, o que o cacheado não deixou passar batido.

– E você deveria estar em Paris junto com suas amigas - ele retrucou no mesmo tom - Foi por isso que concordei em passar os últimos dias aqui.

– Bom, eu voltei - deu de ombros enquanto revirava os olhos - Lide com isso.

Contando até três, Harry respirou fundo e decidiu tentar de novo, dessa vez de um jeito mais brando. Não faria isso em situações normais, mas conseguia enxergar nos olhos azuis a dor que o sarcasmo nas respostas que recebia tentava disfarçar e não era capaz de ignorá-la.

– Olha, Charlotte, nós não nos damos bem - constatou o óbvio - Eu não tenho motivos para te ajudar e você não tem razão nenhuma para aceitar qualquer coisa que eu te ofereça. Mesmo assim, consigo ver que tem alguma coisa errada e estou aqui para te ouvir se você quiser desabafar. Ou esperar ao seu lado enquanto a Grace não chega, tanto faz.

– Então você vai esperar para sempre - riu amarga - Sabe o que é engraçado? Passar toda a sua vida ajudando uma pessoa a se divertir às custas dos outros e ainda se surpreender quando o alvo vai parar nas suas costas.

– Vocês brigaram? - perguntou com um pouco mais de cautela, de novo sendo vencido pelo seu bom coração - É por isso que está triste?

– Acredite em mim, uma briga com a Grace é o menor dos meus problemas no momento - respondeu com um suspiro derrotado - Quer mesmo escutar minhas lamentações?

– Bom, não - foi sincero, o que arrancou um sorriso fraco da garota - Mas não estou com sono e já estamos aqui, me distraia.

Respirando fundo, Lottie começou sua história sobre como, há cerca de três meses atrás, conheceu um rapaz que parecia perfeito. Ele vinha de boa família, a tratava como a única mulher no mundo e tinha uma beleza de tirar o fôlego. Por causa das muitas viagens que a loira vinha fazendo nos últimos tempos, acabaram começando uma espécie de relacionamento à distância, o que envolvia, é claro, conversas de cunho mais íntimo.

– Eu fui burra, é verdade, mas estava apaixonada e não imaginei que fotos como aquelas acabariam nos celulares de todos os meus amigos - revirou os olhos, uma tentativa de espantar as lágrimas que se acumulavam ali - Eu sou o assunto do momento, a vagabunda da sociedade londrina. Divertido, não é?

– Você falou com a polícia? - Harry quis saber alarmado - Charlotte, isso é um crime.

– E deixar que todos os jornais noticiem esse escândalo? Não, obrigada - dispensou seu conselho com um gesto de mão despreocupado - Meus advogados cuidaram de tudo por baixo dos panos, ameaçaram todos que tinham as imagens e tiveram certeza de que a circulação delas fosse interrompida. Eu não quero que isso se torne público, mas eles também não. São todos filhinhos de papai, não podem se envolver em casos judiciais desse tipo se quiserem manter suas mesadas.

– Isso é bom - disse aliviado - Você pode seguir em frente agora.

– Você não entende - ela negou, a voz um pouco mais trêmula demonstrando sua fragilidade - Eu vivo de imagem, Harry. Isso foi arruinado, todos ao meu redor me olham como uma vadia e riem quando eu chego nos lugares. Eu era amiga dessas pessoas até ontem e, de repente, não passo de uma garota marcada por um passado humilhante.

– Eu não entendo? - ele repetiu com as sobrancelhas erguidas - Tem certeza disso?

– Olha, eu não...

– O que você via quando me olhava assim que nos conhecemos? - continuou sem se deixar ser interrompido - Mais que um morador de rua? Mais que o meu passado? Eu entendo como é não ser visto, Charlotte. Entendo como é não ter a chance de provar o meu valor, como é ser perseguido por algo que não é minha culpa e que não me define. Mas você sabe o que eu também entendo?

– Não - sussurrou envergonhada, sentindo pela primeira vez a dor de estar do outro lado da moeda.

– Que existem pessoas no mundo que simplesmente não ligam para isso - sorriu com puro contentamento - Que vão te olhar de verdade e ver além do que o seu exterior quebrado. Que vão conhecer seu pior lado e ficar mesmo assim, vão te defender do mundo e te ajudar a chegar viva do outro lado. Esses que te viraram as costas? Não são seus amigos, não chore por eles. Aqui, dentro dessa casa, você tem pais que te amam incondicionalmente e um irmão que, mesmo que não pareça no momento, te protegeria em qualquer situação. Há mais deles lá fora, você só tem que procurar.

– Talvez você esteja certo - murmurou pensativa.

– Eu estou - garantiu com certeza absoluta - Agora vamos dormir, já está tarde e eu tenho certeza de que você tem todo um ritual a fazer para melhorar essa cara.

– Isso foi um insulto? - se indignou.

– Tem rímel no seu queixo - deu de ombros como se isso respondesse aquela pergunta e começou a se retirar - Boa noite, Charlotte.

– Boa noite, Harry - ela respondeu baixinho, o vendo desaparecer pela porta.

O cacheado voltou para o quarto com o mesmo cuidado que usou para sair dele e se enfiou entre os braços de Louis, que resmungou um pouco antes de apertá-lo e voltar a dormir. Prestes a cair no sono, Styles agradeceu por ter encontrado seus anjos da guarda e fez votos para que sua cunhada também achasse os dela.

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