1 - A velha Folha de Ouro

142 21 233
                                    

O dia amanheceu frio esta manhã, mas o sol fraco dá conforto para aqueles que passam pelas ruas de Santa Fé. A cidade cresceu nos últimos anos e há muita gente caminhando já a essa hora, homens passam apressados, vestindo ternos escuros e chapéus de feltro, a caminho do trabalho. Algumas mulheres passeiam, vestindo saias rodadas e blusas justas, usando lenços na cabeça ou um penteado bonito. Elas carregam cestas ou sacolas de compras e conversam animadamente umas com as outras.

Com um olhar distante, Vicente caminha lentamente por uma rua feita com paralelepípedos desgastados pelo tempo, e com as mãos dentro dos bolsos da calça de brim, observa uma pedra parar longe depois de ter a chutado.

Ele ergue a cabeça e percebe que o movimento de automóveis aumentou. Modelos como o Cadillac DeVille, grandes e luxuosos, com brilhantes cromados e pneus largos, passam por ali, fazendo-o virar o pescoço para admirá-lo.

O rapaz para diante de uma porta, pois chegou no endereço que procurava. Tira a chave do bolso da sua calça e o cheiro de mofo chega em seus pulmões no mesmo momento. Seu coração doi em ver este lugar nestas condições; parede descascada com infiltração e assoalho quebrado, estava trancado por muito tempo, desde quando seu pai decretou falência.

Enquanto caminha para dentro imerso em seus pensamentos, Vicente pensa em seu pai, que já não está mais vivo por conta de uma tuberculose, ele não viu seu último dia, pois estava batalhando em uma guerra e sente seu coração esmagado. A última vez que se falaram, estavam todos reunidos em casa em uma despedida, e agora, quer retomar essa editora em memória dele, para dar vida a seu pai novamente de alguma forma. Sabe que vai dar muito trabalho, ainda mais sem recursos financeiros, pois irá precisar fazer uma boa faxina e uma reforma.

- Sei que vai valer a pena, pelo meu pai, vai valer... - Pensa alto e senta-se em uma cadeira velha e esquecida, cheia de teias de aranha, para pensar em como começar.

- A reforma eu mesmo faço em poucos dias, mas e o resto? Onde vou arrumar livros, escritores? Como vou criar os livros?

Refletindo mais um pouco, lembra-se de que uma base de experiência tem por conta de várias lembranças de quando era criança, gostava de ver o pai trabalhar, seus irmãos mais velhos frequentemente também o ajudavam bastante. Ele tinha vários funcionários e cada um com sua função.

Agora, Vicente quer fazer diferente, com livros diferentes a fim de chamar atenção.
A principal editora da cidade é a Semente Negra, cujos livros o rapaz já leu vários e de diversos temas e autores, inclusive, conhece o fundador, Sr. Américo, também já leu crônicas dele no jornal. Ele tem a ideia de usar essa editora como base e lançar livros diferentes, que tenham uma visão de mundo mais ampla.

Vicente está desempregado e precisa pedir alguma quantia em dinheiro para sua mãe a fim de começar o projeto. Seu estado emocional é visível em seu comportamento, passando o dia escutando música e rádio novelas, sendo que o filho já a encontrou diversas vezes chorando. Além da viuvez, a mulher também perdeu dois de seus três filhos para a guerra e isso a faz ficar cada vez mais sem vontade de viver.

Ao chegar em casa, o rapaz é surpreendido pela imagem de sua mãe sentada na poltrona, envolta por um xale marrom que repousa sobre seus ombros. O rádio, antigo objeto que lhe fora dado pelo marido ainda jovem, preenche o ambiente com um som melodioso. Ao notar a presença do filho, dona Olga vira a cabeça, sinalizando que o momento é propício para uma conversa.

- Mãe, tem alguma quantia de dinheiro para me emprestar? Assim que conseguir, devolvo-lhe. - Segurando seu chapéu e olhando o chão, o rapaz diz sem delongas.

Ela ajeita seus óculos redondos para me responder com uma voz cansada.

- Você teimou e foi ver a velha Folha de Ouro? Você sabe o que eu penso sobre isso, meu filho.

Amor e ideais.Where stories live. Discover now