QUATRO: Caçada Inicial

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Embaixada do Chade, Washington, D.C., Estados Unidos. 05 de outubro de 2018.


Paz absoluta. Era o objetivo-mor, o verdadeiro Santo Graal de todo recruta, preferencialmente com seu país no topo da cadeia alimentar. Faziam de tudo um pouco, combatiam terrorismo, prendiam caras maus, derrubavam ditadores e apoiavam a velha e boa democracia.

Contudo, o tempo ensinava que não era tão simples assim. O caminho para um objetivo tão genuíno era marcado por atos de loucura e o reconhecimento de que regimes até podiam mudar, mas as marcas da história ficariam para sempre nas memórias de um povo.

A conversa fiada com Habret mostrava isso para Aziz. O general, por mais que fosse excêntrico e brilhante, era mais uma vítima dos conflitos africanos, assim como muitos outros, que vivenciara por toda a vida o ciclo de violência. Ele não conhecia outra coisa, outro modo de viver em uma sociedade tão violenta.

O jogo iniciado pelas potências ocidentais, as mesmas potências que pregavam a paz, havia mudado nos últimos anos. Novos jogadores entraram na jogada para adicionar mais pólvora em um barril já cheio. Era interessante ver como regimes funcionavam melhor sem a intervenção estrangeira.

Mas ele não poderia se dar àquele luxo, poderia? Não podia ficar parado quando o barril estava prestes a explodir na cara de todo mundo, arrastando todos para a guerra mais destrutiva que a humanidade já vira. Ou podia?

Maldito fosse o pai, um desgraçado bondoso, um colonizador que mostrou as linhas tênues de um mundo completamente globalizado e que lhe deu um nome bem simples, bem diferente dos Hamad, Omar e Mohamed conhecidos na infância.

Talvez a própria natureza de sua relação o catapultou para se tornar secretário adjunto do ministério de um governo que alguns consideravam golpista: o exército deu um golpe de estado após as primeiras eleições livres de seu país depois da queda do ditador Mubarak.

A reflexão sobre sua vida cinzenta veio em boa hora, pois conseguiu de alguma forma descobrir um fio outrora oculto, nebuloso sob o véu da cartilha russa de atrair mais poder. Isso o fez se aliar aos Estados Unidos e Israel, dois países que seus conterrâneos...

Se não desse certo, nunca mais veria sua amada Cairo. Talvez nunca mais veria ninguém.

Por isso trouxe Jacqueline. Sua integridade na primeira missão deles juntos trouxe o primeiro sorriso genuíno em anos. Uma americana, sim, mas uma bem similar a seu pai, um dos poucos homens que respeitava.

Ela não deixaria as coisas irem de mal a pior.

Logo o desaparecimento dela por longos períodos o enervou. Já não tinha mais assunto a tratar com Habret, a garganta doía e os lábios crispados indicavam a exaustão quando uma mulher trajada em um típico vestido chinês o salvou de uma desfeita sem tamanho.

Com o Qipao modelando seu atlético corpo, ela colocou os olhos alongados e realçados por uma maquiagem única, nele. Dizer que seus olhos eram similares a um gato era chover no molhado. A mulher pediu licença ao general e o trouxe rapidamente para um canto próximo dos músicos.

— O que você está fazendo aqui, Aziz? — A indagação era pertinente e corria de mão dupla, afinal Francine Yang também não era para estar ali.

— Apenas representando os interesses de meu país em uma festa de meu continente. — O sorriso, sua marca característica, apareceu naturalmente no rosto escondendo o nervosismo de estar longe de sua guarda-costas. — Algo bem diferente de uma renegada investigadora que os chineses pensam estar morta.

— Nem vou discutir com você. — Francine bufou e pôs as mãos na cintura. — Onde você vai, grandes acontecimentos ocorrem e isso será meu ticket para eu renascer do mundo dos mortos.

O Grande JogoWhere stories live. Discover now