DEZ: A Verdadeira Escuridão

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Lago Chade, Fronteira Camarões-Chade, África Ocidental. 12 de outubro de 2018.


Há muito tempo Aziz lera sobre a famigerada pedra filosofal. Era uma das lendas mais adoradas no oriente médio, tão quanto as Mil e Uma Noites e as histórias do Rei Salomão — estas um pouco mal vistas por questões religiosas, afinal era a história de um rei judeu. Mas, ao entrar para o mundo da inteligência, descobriu que histórias assim eram verdadeiras lendas urbanas.

O que via naquele momento, bem, não colocaria em relatório nenhum.

A beleza das labaredas enormes produzidas pela queima dos materiais da vila padecia em comparação a transmutação que ocorria na base do fogaréu. Materiais orgânicos e inorgânicos se misturavam em uma dança macabra.

Hipnotizado pela demonstração de Habret, Aziz não notou a tentativa de Jacqueline de evitar a transgressão de uma das leis mais antigas do seu mundo. A Lei do Segredo existia desde a Inquisição, quando perseguiram e mataram quem podia usar a magia.

A lei existia por um motivo. Esconder o mundo mágico do mundo mundano, afinal a humanidade sempre procurou destruir aquilo que não conseguia compreender. Era perigoso aquela informação na mão de Aziz, um político que venderia até a própria sombra se isso lhe desse vantagem. Se ele soubesse que a magia existia...

Jacqueline empalideceu ao imaginar o que ele poderia fazer em posse de tal informação.

Tentou criar um redemoinho ao balançar os dedos, mexer com o fluxo do ar, trazer as partículas espalhadas no ambiente. Tentou impedir aquela demonstração insensata sob os olhos atentos dos soldados e de Aziz.

Todavia, Jacqueline não sabia que Habret não era mago ou um feiticeiro. Não. Habret era muito pior. Era um alquimista, e sua magia não funcionava naquela apresentação bizarra.

De modo que não adiantou seu pequeno redemoinho virar um vórtex gigante capaz de arremessar boinas de soldados para longe e fazer pessoas — com razão — confundir sua magia com uma tempestade de areia. Rezou para eles correrem, mas os homens não saíram de onde estavam.

Habret não precisava mais do calor do fogo para criar uma esfera, fundindo os materiais da vila. A esfera era pequena, maciça e cabia na palma da mão. Porém, foi o suficiente para satisfazer o general e seus homens.

Da pira em chamas, restou apenas cinzas.

— Você está brincando comigo! — Aziz arregalou os olhos e fitou a esfera como se estivesse sonhando.

— Minha alquimia ainda está na fase inicial. — Habret lançou a esfera de uma mão para outra. — Mas já consigo fazer uma pequena bomba.

— Mesmo vendo... — O egípcio parou antes de concluir o que dizia, o cérebro ainda tentando processar o que vira. Estava sem palavras.

Jacque, por outro lado, tentou mudar de estratégia.

— Ótima ilusão de ótica. — Acenou para o redemoinho, que havia sido reduzido a uma brisa fraca. — Labaredas gigantes, tempestades de areia, esferas de metal surgindo do nada... Não sabia que generais também eram ilusionistas a lá David Copperfield.

Seu sarcasmo custaria um tíquete para o inferno, principalmente ao ver toda a divisão de Habret erguendo as metralhadoras e rifles em direção a sua cabeça. Nem o susto de Aziz, que o tirou do transe, amenizou a situação.

Contudo, se os olhos fervorosos e a testa vincada fossem algum indicativo, o ódio de Habret não se apagou. Pelo contrário, ele o nutria de forma silenciosa, vingativa.

O Grande JogoWo Geschichten leben. Entdecke jetzt