NOVE: A Companhia

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Em um campo aberto nas imediações de N'Djamena, Chade. 12 de outubro de 2018


Do topo de um estande em um clube de tiro, Zach escutou o eco de pistolas e rifles. Ao lado, um homem de barba rasa, aparada, cruzou os braços e mostrou a forma em dia.

Pelos binóculos, ele viu como Yael respirou fundo, sentindo o metal do cabo do novo rifle e a forma como os dedos calejados envolviam o gatilho do novo projeto.

— Por que vocês querem armas e não tecnologias de extração, Moussa?

— Como podemos nos desenvolver com guerras estourando para todos os lados? — O tom dourado da pele escura de Moussa se realçou com a luz do sol. — Desculpe, mas queremos armas.

— Eu li o contrato. — Ele balançou o tablet e pegou os protetores auriculares. — Mas saiba que não foi esse o acordo com o Banco...

— Não interessa. — Moussa parecia querer cortar o assunto e ver a eficácia da arma nas mãos de Yael. — Precisamos nos preparar para o pior.

— Ou para um golpe de estado.

Zach deu voz aos seus pensamentos ao observar cada tiro certeiro de Yael. A forma como o controle da adrenalina a revestia como uma segunda pele era admirável.

Yael sabia bem o que fazia.

— Não vou nem te responder. — Moussa trincou os dentes ao ouvir os tiros em alvos abatidos e os passos pesados, decididos, da agente. — Senão podemos causar um incidente diplomático.

— Tem tanto medo assim de Habret?

— Quem não teme a ascensão de um general capaz de atrair a atenção para nosso país é burro. — Moussa não tirou os olhos do percurso. Ou seria de Yael? — Sem contar algumas coisas estranhas, rumores malucos que estão permeando o imaginário dos ribeirinhos e dos povos do deserto.

— Quais rumores?

— De que há demônios, pequenos jinna cruzando as dunas durante a noite e assolando os acampamentos de rebeldes e terroristas, sem distinção ou credo. — A voz dele abaixou, quase em um sussurro. Zach não sabia se ele acreditava nas próprias palavras ou se tudo não passava de uma superstição. — E lhe dou apenas uma tentativa para adivinhar quem se regozija de estar no lugar certo, na hora certa.

— Idrissa Habret.

Zach viu Yael chegar no segundo nível do percurso. Os disparos ficaram mais rápidos e, ao sentir o cartucho vazio, ela cambalhotou para frente, retirou uma pistola do coldre na perna e manteve a barragem de disparos. Ação e reação. Somente quando estava sob a proteção de uma cobertura, ela recarregou suas armas.

Usou o ambiente para sentir o espaço em volta antes de continuar.

Fez pouco caso do restante do circuito. Impressionante.

Abateu o último alvo para finalmente parar o estado perpétuo de luta ou fuga. Inspirou e expirou, duas vezes. Ainda que houvesse o vapor com cheiro de pólvora do cano das armas, ela não perdia a serenidade.

— Precisamos de planos e armas para lutar contra "O Salvador", quando ele decidir que é o homem destinado a governar o Chade. — Moussa completou ao tirar os fones. — Não vou esperar isso acontecer.

— Mesmo que deixe seu país mergulhado na pobreza e na corrupção?

— Não podemos ter tudo na vida. — Moussa cerrou os olhos e se voltou a uma maleta escura, sem notar o olhar inquisitivo de Yael para onde eles estavam. — Quanto pelo lote?

— Minha empresa entrará em contato com você.

— Certo. Passar bem, Zachary.

Yael se aproximou imediatamente com a semiautomática em punho ao ver Moussa se retirando.

— O recuo é pesado para quem não tem muita experiencia, mas com algumas mudanças... — Zach quase não prestou atenção no que ela dizia. Havia aceitado esse trabalho por questões humanitárias, agora desenvolvia armas para um país cada vez mais preparado para manter o estado perpétuo de guerra. — Está me ouvindo, Zach?

— Desculpe.

— Não se preocupe. — Yael deu dois tapinhas nos imensos fones de ouvido antes de mostrar pontos eletrônicos instalados neles. — Ouvi tudo.

Inclinando-se para frente e deixando Zach estupefato e admirado, ela massageou o peito e o dedilhou até chegar à gola da camisa, de onde retirou o transmissor dele. Ele se surpreendeu com o sorriso genuíno no rosto da agente.

— Há um jogo de poder que envolve rumores e fundos de verdade. — Ela mordiscou os lábios, deixando cair gotas de suor no vão entre os seios firmes dela. Zach engoliu em seco. Seria assim que informantes caíam na lábia dos agentes encarregados deles? — E eu vou descobrir todos seus jogadores.

— E depois? — Foi a única coisa que saiu de sua boca.

— Depois vamos agir. Alguém está sequestrando crianças e não vou deixá-las serem usadas como instrumentos de guerra.

A firmeza em sua voz causou calafrios.

De uma forma ou de outra.

— De uma forma ou de outra

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