DEZENOVE: Cerco

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Província Ennedi, Chade, África Ocidental. 21 de outubro de 2018

A excepcional flora e fauna que floresciam na região dos lagos, em parte devido ao aglomerado de juncos flutuantes e composição mineral variável, trouxe certa tranquilidade às ações de Marib. Jacque se sentia em um jardim florido, prestes a tomar uma xícara de chá, enquanto escutava a narração de algo bem emblemático.

Aziz serviu de tradutor para uma história de fuga que a fazia admirar o treino e resiliência da agente da Sayeret Matkal. Marib deixou claro que ele escutou os eventos direto da boca de Yael, entre seus inúmeros momentos de lucidez em meio a recuperação de seus ferimentos.

Chutada por uma entidade escura, ela foi arremessada direto a um rio ou lago subterrâneo. Marib insistiu que ela caíra no sistema hidrológico único, que corria por debaixo do deserto e sustentavam os lagos em um clima árido quase sem chuvas.

Acordou em uma pequena porção de terra, horas ou dias depois. Nadou pelo rio até chegar a uma câmara, onde encontrou um paredão imenso. Sem materiais para escalar, sua esperança teria chegado ao fim se não fosse a mochila arremessada pelo parceiro. Não se deu por vencida, superou o abismo e alcançou as grutas dentro do planalto.

Os arranhões nas pernas eram compatíveis com as estalagmites das cavernas.

Yael literalmente deu tudo de si atrás de uma saída cada vez mais longínqua. O teto cavernoso nada lhe dizia sobre os dias e as noites, ou quantas horas extenuava os músculos enquanto serpenteava o labirinto de cavernas no Guelta.

Marib contou que ela chorava enquanto narrava, débil e delirante. Escutou lamentos e clamores. Tinha medo da escuridão lhe arrastar para as profundezas da terra.

Após quatro grandes descansos e um sério caso de hipotermia, ela finalmente encontrou um túnel iluminado por tochas. Cansada, jogou-se na terra fofa e macia, rindo como uma louca pelo gracejo da sorte.

Quando foi encontrada por um grupo de pessoas desconhecidas, ela lutou ferozmente. Marib, sem o pano que cobria o rosto, riu ao contar que precisou de quatro homens para contê-la na cama.

Jaque deduziu que foi nesse momento em que ela recebeu o olho roxo, possivelmente uma coronhada de um rifle.

Arrastada por escadarias, ela foi arremessada junto às crianças e posta em condições insalubres. Os maiores protegiam os menores de abusos e assédios físicos. Novamente Yael lutou, sendo vencida várias vezes.

Apenas por causa de números. Tanto Marib quanto Aziz enalteciam que a agente era quase imbatível no um contra um. Era feroz e pragmática. Somente pessoas de altíssimo nível a venceriam em uma luta corporal.

Jacque, no entanto, sabia de algumas outras coisas.

Se as crianças eram mágicas, o que lhes impediam de fugir? Talvez os captores também fossem do mundo mágico. Existia alguns feitiços simples de reforço muscular ou uma proteção acima do normal. Talvez...

Rezou para eles não terem Janavaras. Anuladores mágicos eram os piores.

Yael escapou no dia seguinte ao atentado a N'Djamena, quando as crianças foram usadas como peões no jogo cruel e macabro. Não duvidava que Youssouf era um deles, não duvidava também de que, por mais que ele fosse um bruxo de fogo, não enfrentaria um exército treinado ou se esquivaria de uma bala.

Ela aproveitou uma distração, nocauteou um guarda, correu e fugiu, lançando-se nos corredores gélidos e frigidos dos túneis. Perseguida pelas forças, ela se jogou na imensidão da água corrente dos lagos subterrâneos.

No final da narração, Marib confessou que não sabia os motivos para Yael chamar constantemente por tal de Zach. Jacque, por outro lado, imaginou bem os motivos. Ele foi capturado e havia ficado para trás na fuga. Faria a mesma coisa se Aziz acabasse...

O Grande JogoWhere stories live. Discover now