VINTE: Justiça

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Complexo de Cavernas em Ennedi, Chade, África Ocidental. 21 de outubro de 2018

Vazio. Uma palavra simples que ganhou importância após as palavras de Noel. Ela não via nada, não sentia nada no centro da escuridão perversa e cruel. Nem mesmo os belos olhos azuis apareciam na ausência de luz.

Também não passou muito tempo armada. Bastou um forte chute no punho para que sua submetralhadora fosse jogada para longe, girando enlouquecida até parar em uma das bordas da gruta. O som causado pelo deslize do carbono no arenito criou um forte eco, misturando-se com os mugidos de dor de seus subordinados.

Jacqueline não perdeu tempo e sacou a arma reserva presa na cintura. Com a lanterna acoplada ao cano, tornou-se um foco de luz para os agentes ainda vivos. Mas também se tornou um chamariz para seus inimigos.

Nenhum treinamento do mundo a prepararia para enfrentar alguém como Noel. A respiração, outrora controlada, ficou entrecortada. A tensão envolveu os músculos e ameaçou deixá-la plantada onde estava.

Sem alternativas, pensou em descarregar sua pistola ao léu e rezar para acertar em seus inimigos.

Não. Não posso esquecer do fogo amigo...

A indecisão foi cruel. E quase fatal.

Arremessada para uma parede porosa com uma força sobre-humana, Jacque agradeceu por estar com um colete. Ele não deixou o arenito dilacerar a pele fina das costas.

A dor da sua luta contra Ruslan e Maksim voltou como uma avalanche. Por um momento, o pavor de ter quebrado uma costela e perfurado um pulmão a assombrou, o âmago implorando para continuar deitada. Porém, a imagem de Youssouf e das crianças raquíticas nas mãos de terroristas cruéis lançou toda a sua dor para longe.

Jacque, tomada por uma injeção de adrenalina, ignorou todos os sentidos e levantou cambaleante, com as palmas e joelhos, cuspindo a terra que entrou em sua boca. Noel, no entanto, jamais esperaria por ela.

Onde foi parar sua arma reserva?

Ela não percebeu a aproximação de Noel até ele a segurar com força e a empurrar contra a parede novamente, erguendo-a até que seus pés balançassem. Não sentiu o chão sobre os pés. Se não fosse o colete e o tecido especial de suas roupas, as costas também teriam cicatrizes. Ele não a poupou.

— Eu disse que, em uma luta mano-a-mano, eu venceria muito fácil, não disse? — A voz computadorizada rosnou. — Agora, não tem mais jogos, não tem mais Aziz para lhe salvar. Adeus, Agente Andrade.

Jacque balançou a cabeça. Respirava com dificuldade, o homem era um tanque! Quem diabos era ele e por que ele a conhecia?

— Não preciso de nenhum homem para me salvar — proferiu com dificuldade, o sorriso pintado de sangue e manchado de areia vermelha.

Ela raramente usava essa técnica, afinal, para os destreinados, podia ser fatal. Mas a sua sobrevivência e a de várias crianças estava em jogo.

Com as últimas forças, retesou a mão e com a ponta dos dedos, atingiu a traqueia dele, o ponto de pressão acima do pomo de adão. Não importava o quão gigante ele era, o quão forte fosse. Não havia proteção suficiente que o fizesse se manter em pé.

Noel a largou, inclinando-se para frente em uma tentativa desesperada de inalar o ar. Ela respirou fundo. Na eterna escuridão, os olhos nada viam. O som por outro lado...

A tosse de seu algoz permitiu a Jacque saber onde ele estava. Ela não perdeu tempo: passou os dedos em seus cabelos, o puxou e ergueu o joelho, atingindo em cheio o nariz de Noel. Sentiu a cartilagem rachando e escutou o jato de sangue decorar a gruta onde estavam.

O Grande JogoWhere stories live. Discover now