O Grande Jogo

DEZOITO: O Grande Jogo

Lagos desérticos de Ounianga, Chade, África Ocidental. 21 de outubro de 2018

— Jacque, você já ouviu falar do Grande Jogo?

Aziz liderava a comitiva formada por mais de cinco países em direção às coordenadas reveladas por Youssouf. Todos armados, protegidos por coletes à prova de bala e blindados comparados a pequenos tanques.

— Não. O que seria?

Jacqueline engatilhou a graciosa Glock e a enfiou no coldre de perna. No cinto tático ainda havia mais uma pistola e, no colo, um rifle. Só depois de verificar pela enésima vez seus instrumentos, ela deu atenção a ele.

— Tenho medo de você, toda preparada pra guerra — Aziz refletiu. — De qualquer forma, o Grande Jogo foi um termo usado para definir a rivalidade estratégica entre o Império Britânico e o Império Russo pela supremacia na Ásia Central.

— E o que isso tem a ver com os eventos atuais?

— Tudo. Após a Segunda Guerra Mundial, o termo continuou a ser usado para descrever as maquinações geopolíticas das grandes potências na Guerra Fria. Afinal, elas disputavam poder e influência sobre diversas regiões do planeta.

— E o Chade, presumo, é um desses lugares.

— Existem inúmeras regiões assim. — Às vezes, ao passar pelas dunas do Saara, o carro chacoalhava para frente e para trás. — Essa situação envolvendo seis países me faz pensar de outras situações engraçadas.

— Temos um bom tempo antes de chegar nas caravanas.

— Na invasão soviética ao Afeganistão, a CIA orquestrou algo digno dos filmes. Ela contactou um traficante de armas israelense para fazer um acordo com Egito, Paquistão, Afeganistão e Arábia Saudita.

— Pera aí... — Jacque, incrédula, tirou os óculos aviador do rosto. — Israel não tinha acabado de sair de uma guerra contra vocês?

— Não apenas isso. Paquistão e Afeganistão também não os reconheciam e muitos dos agentes que financiavam a Palestina eram treinados na Arábia Saudita, pasme, pela própria CIA. — Aziz gargalhou. — Esse é o grande jogo do mundo moderno, Jacque.

— Então o que aconteceu?

— Israel, vencido, jogou o jogo e tentou tirar vantagens. — Ele piscou o olho. — Chade é só uma espécie de Afeganistão de décadas atrás.

— Meu deus...

— Estou dizendo isso por um motivo. O Grande Jogo rege as minhas ações. — Aziz estava diferente. Sério, compenetrado e focado na condução da comitiva. — Por isso, meus coelhos se resumem a entendê-lo e oferecer o que os Deuses querem, pois ninguém os desafia sem consequências.

Jacque abriu e fechou a boca algumas vezes, estupefata.

— Às vezes fico feliz da minha vida ser bem simples, sem as complexidades e contradições de saber disso. — Encostou a nuca no encosto de cabeça do banco. — Investigar crimes e levar caras maus à justiça.

— Por isso te escolhi. Ter uma subordinada que é contra o jogo cria oportunidades que me permite ajustá-lo aos meus interesses.

— Mas o quê? Seu desgraçado...

— Consegui convencer os grandes poderes a levar o Youssouf a Haia. — Alegre, a máscara de risos estava mais radiante, brilhante sobre os raios de sol cada vez mais fortes e escaldantes. — Então uma mão lava a outra, não é mesmo?

— E aquela história de proteção?

— Ela existe. Ou você acha que sou Jason Bourne?

— Eu te odeio.