DEZESSEIS: Desespero

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Grutas de Ennedi, Deserto do Saara, Chade. 17 de outubro de 2018.

Yael não sabia quanto tempo levou desmaiada. Naquela fossa macabra, sem luminosidade, somente o fluxo do rio subterrâneo rompia o silêncio sepulcral. Isso e os movimentos erráticos e cansados dela, que fora arremessada centenas de metros a um abismo infernal.

Tateou o corpo, agradecendo por ter apenas pequenos ferimentos. Depois, aguardou pacientemente os olhos se acostumarem à penumbra enquanto jogava a água do rio no corte no supercílio para limpá-lo.

O barulho produzido por seus movimentos era como um alarme, capaz de atrair qualquer tipo de predador. Vira crocodilos no topo, lá em cima, mas quem a garantiria que não haveria outros animais nas profundezas?

Zach...

Ela encarou o paredão e praguejou. Sem os devidos equipamentos era impossível escalá-lo. Também não poderia esperar um resgate, afinal ninguém a encontraria ali embaixo. Respirando fundo e olhando para a pequena ilhota formada pela erosão de milênios, ela tomou uma decisão.

Jogou-se na água.

Nadou lentamente, passando por duas grandes piscinas enquanto seguia o fluxo lento do rio subterrâneo. Nas margens de arenito, ossos se espalhavam ao lado de antigos pertences dos que caíram no abismo.

Ela reparou como o lago ficou mais fino e raso. A grande piscina virou um riacho e o curso da água era quase impossível de acompanhar a olho nu. Cansada do trajeto, ajoelhou na areia fina e fitou o topo das estalactites, eram verdadeiras lanças apontadas para a sua cabeça.

A solidão colocava tudo em perspectiva. Deveria ter confiado em Aziz e Jacqueline, chamado reforços, agido junto aos aliados e, talvez, Zach não estaria nas mãos de Noel. Ela era a profissional, a responsável por trazê-lo de volta para casa.

O coração doía.

Cerrou os olhos e retirou a regata suja e molhada que atrapalhava os movimentos. Não teria pudor em ficar apenas de sutiã e o short de sarja que vira melhores dias. Deitada na areia, mal reparou na movimentação do sol, de como os raios mudaram de direção e iluminaram a câmara na qual ela se encontrava.

Criando uma penumbra.

E, com os olhos acostumados, pôde finalmente ver sua mochila. Enxarcada, sim, mas com inúmeros materiais para a sobrevivência.

Sabia que tinha sido Zach. Ela caiu sem a mochila, sem nada além da roupa do corpo. Seja intencional ou não, ele lhe dera uma chance, trouxera de volta a luz de esperança para sua escuridão. E ao separar os materiais de rapel, lágrimas escorreram pelas bochechas queimadas pelo sol.

Não se preocupe, Zach. Eu vou te resgatar. Eu prometo pela minha honra.

Amarrou uma faca de caça na coxa; no cinto tático, uma corda; nos pulsos, duas machadinhas de escalada e na cabeça um capacete com uma lanterna. Precisou bater inúmeras vezes, mas a maldita lanterna pegou no tranco.

Os olhos arderam e ela praguejou. Estava muito tempo na escuridão.

O paredão na câmara era difícil escalar, ainda mais sem muitos materiais para um avanço adequado. Respirou fundo, duas vezes, antes de pegar impulso e saltar em direção ao arenito.

Erguido por grilhões, Zach mal conseguia gritar, por mais que os metais arranhassem os pulsos e derramassem filetes de sangue. A voz rouca e a garganta seca não bastavam para disfarçar a dor causada pela tortura. Em apenas um dia, ele entrou em um estado absorto, quebrado.

— Está na hora, Obafemi. — A voz computadorizada se fez ouvida na gruta. — A psiquê está muito fraca. É perfeito para incorporarmos adinkras em seu corpo.

O Grande JogoWhere stories live. Discover now