SETE: Conflito Obscuro

99 22 357
                                    

N'Djamena, Chade, África Ocidental. 12 de outubro de 2018.


A viagem ao Chade demorou mais do que ela gostaria, a balsa era lenta e o sol, escaldante. Ao menos, Jacque tinha um boné preto para se proteger do sol. Reclinou-se no parapeito ao cruzarem a confluência do Rio Logone com o Rio Chari e observou os raios solares iluminando a capital.

Aziz preferiu chegar de barco para mascarar sua visita, tornando-o um personagem misterioso no jogo político que envolvia a tríplice fronteira entre Camarões, Nigéria e Chade e dividia o lago em três. Habret, por outro lado, já havia voltado e ganhara mais vitórias com o apoio de uma divisão especial. Uma divisão certamente mágica.

Ela cerrou os olhos ao sentir a carícia da brisa que esvoaçou seu rabo de cavalo, sem deixar de notar a aproximação passos sorrateiros de Aziz.

— Primeira vez no Chade?

Aquela era a primeira vez que ela o via com roupas mais comuns, embora a bermuda cargo e os sapa-tênis fossem tão caros quanto meses de seu salário.

— Sim. Visitei só a África do Norte, a subsaariana não está em minha jurisdição.

— Uma coisa que devo lembrar a você é a importância dos grupos étnicos. — Aziz acariciou o seu mustache. — São três grandes grupos dentro dos duzentos encontrados no país.

— E vou presumir que você tem contato com todos eles.

— Vendo minhas informações e serviços a preços muito justos. — Sorriu. — Habret pertence aos berberes, cujo clã domina a parte norte do país, no Saara. São ferozes, independentes e produzem a maioria dos generais. Entretanto, são muito machistas e um pouco atrasados culturalmente.

— Percebi pelos olhares que recebi na recepção de gala da embaixada — escarneceu.

— Eles não vão fazer nada com você, desde que esteja claro sua aliança. — Aziz meneou para Yael, que confabulava com o timoneiro da balsa. — Ela teria mais dificuldade que você. Em um país cuja metade da população é muçulmana, uma americana de aparência hollywoodiana é mais bem vista do que uma mulher do serviço secreto de um país odiado por eles.

— O seu também é. — Jacque rebateu encarando as duas obsidianas profundas que lhe encaravam de volta. — O Egito não curte muito Israel.

— Não gostamos da Turquia e da Arábia Saudita, mas sempre negociamos com eles, somos aliados até em algumas ações. — Segurou uma gargalhada. — Não deixamos as emoções tomar conta de nossas ações... na maioria do tempo.

— E quando você se deixa levar pelas emoções?

Por um momento, o sorriso de Aziz fraquejou e Jacque viu por trás da máscara risonha e obscura dele. Aziz abriu e fechou a boca algumas vezes, mas desistiu de falar sobre aquele assunto quando Yael se aproximou.

Tão logo caiu, ele voltou a vestir o notório disfarce de um risonho e elusivo agente. Por mais que estivesse irritada com a israelense, eles tinham uma missão a cumprir. Quando tivesse tempo, ela o encurralaria, ele não teria escapatória. Descobriria a verdade por trás de Fabian Aziz. Por trás da máscara de um espião egípcio capaz de deixar muitos a seus pés.

— Iremos para o Grande Marche, um bairro da capital. Os carros já estão esperando. — Yael ergueu seus óculos aviador.

— E Winston? — Jacque não tinha o visto desde que que cruzaram a fronteira com o Camarões.

— Ele já está com o nosso contato. — Yael a encarou antes de fitar a cidade abraçada pelos ventos do Saara, envolvendo a capital em uma mortalha de poeira espessa e pintando os prédios de bege. — Facilita quando os Estados Unidos têm negócios na cidade.

O Grande JogoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora