QUINZE: Demônios

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Base Francesa, N'Djamena, Chade. África Ocidental. 17 de outubro de 2018

O hospital da base militar francesa em N'Djamena fornecia atendimento de emergência aos oficiais da Embaixada e suas famílias. Outrora pouco movimentado, os corredores bem cuidados estavam cheios, repletos de pessoas de inúmeras nacionalidades.

Jacque se surpreendeu pelo pronto atendimento. Não muito pela marcha ininterrupta de um séquito de soldados uniformizados, quase todos condecorados vindo em sua direção. Possivelmente obra de Aziz.

Dê uma vantagem para que eles ajam, foi o que ele disse antes de sumir pelo hospital e deixá-la sozinha com um jovem anestesiado e algemado a cama. No soro, o rosto inocente e tranquilo, jovial e infantil, nada se parecia com a carranca e o escárnio de um terrorista mágico.

O líder do séquito parou diante da porta, ordenou que apenas dois entrassem no quarto e a cumprimentou após a porta fechar.

— Sou General Dupont, Comandante Geral das forças francesas nesta região. — O aperto de mão era firme. — Soube pelo secretário Aziz que o detento é um dos causadores dos atentados.

A entonação de Dupont era clara e concisa. Ele não via o jovem apenas como um acusado, preso, à espera de uma investigação mais detalhada. Era um detento sem direitos a Convenção de Genebra, livre para ser maltratado e torturado. A naturalidade de como ele dizia aquelas palavras fez Jacque pensar no que faziam com os prisioneiros no Chade.

Sentiu o estômago embrulhar.

— A palavra que você procura é suspeito, General. — Confrontos contra os líderes locais não era o que ela queria, então seria política. — Eu o capturei durante uma tentativa de fuga e não encontrei indícios de culpa além de um grande ódio pela cultura ocidental.

— É o que basta para esses animais. — O preconceito era evidente a cada vez que Dupont abria a boca. — O entregarei para o governo chadiano após descobrir seus cumplices.

Meneou a cabeça para os dois ajudantes, que sem dizer nada, se movimentaram para os dois lados da cama.

— A chave das algemas, por favor. — Entendeu a palma aberta para Jacque.

Ela tinha inúmeras opções. Dar a chave das algemas e permitir que um garoto magro, quase raquítico, de treze anos sumisse na burocracia estava fora de cogitação. Confrontar os soldados muito menos, tinha certeza de que poderia amassar a cara do general e seus ajudantes, mas uma base inteira era demais para suas habilidades.

Sem contar a dor no abdômen. A eficácia dos remédios era diretamente proporcional as horas que ela ficava sem tomá-los. Tinha que ser inteligente.

— O governo capturou mais algum terrorista? — Não deu a chave. Na verdade, deu alguns passos para trás e apoiou-se na grade de metal da cama.

— Todos morreram em confrontos com o exército ou a polícia. — Dupont cerrou o punho, descendo de leve a sua mão. — Ele é o único que temos.

— Então meu suspeito é a galinha dos ovos de ouro para o governo, não é mesmo? — Ela sorriu de forma debochada, encarando os dois assistentes pessoais de Dupont, estáticos à beira da cama. Um estava bem perto dela, centímetros de distância. Do outro lado da cama, o segundo soldado mal lhe dava bola. — Garanto que vocês chamarão Jack Bauer para interrogá-lo e, como ele ainda é uma criança, contará tudo o que querem saber.

— Exato. — Dupont devolveu o riso debochado. — Estamos nos entendendo, agente Andrade.

— Acho que estamos longe de estarmos no mesmo barco, General. Sequer estamos no mesmo oceano. — O instinto de luta ou fuga de Jacque aumentava a cada segundo. — Não deixarei meu suspeito se tornar um peão político para fermentar sua agenda com o governo.

O Grande JogoWhere stories live. Discover now