os versos mais tristes da noite

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Já não a quero, é certo, mas talvez a quero.

É tão breve o amor, e é tão longo o olvido.

Porque, em noites como esta, a tive entre meus braços,

minha alma não se contenta em havê-la perdido.

Ainda que esta seja a última dor que ela me causa,

e estes sejam os últimos versos que eu lhe escrevo.

(Poema XX, Pablo Neruda). 

Existe certa beleza na arte dos recomeços, Heloísa Sampaio reconhecia isso mais do que qualquer outra pessoa. Ela havia recomeçado mais vezes do que gostaria de admitir, mas a rotina que tinha agora, lhe dava um senso de calma que ela há muito tempo não sentia.

Nos muitos fins que ela teve que viver, existiram as dores que ela teve de suportar. Agora, deitada em sua cama, com os raios de sol entrando pela cortina entreaberta, ela tentou se mexer no colchão, sem sucesso. Os braços que a envolviam eram fortes e a mantinham no lugar, e ela permitiu se aconchegar no abraço dele, sentindo a respiração pesada em seu pescoço.

Nunca pensou que estaria aqui agora, em um outro relacionamento depois de tudo que havia passado no anterior, que ela sempre contaria como um só, apesar dos dois casamentos. Mas aqui estava ela, deitada com Rafael ao seu lado, a aliança dourada na mão esquerda, o conforto de um casamento que não era caótico.

Lutando contra a vontade de permanecer deitada, ela tirou os braços que a envolviam e se levantou, indo até o banheiro tomar o banho que sempre de fazia necessários pelas manhãs.

Terminando de se arrumar em seu quarto, a delegada caminhou até a cozinha, preparando um café enquanto colocava o distintivo na bolsa.

Polícia Civil.

Ela nunca havia imaginado voltar para a polícia civil depois de tanto esforço para entrar na Polícia federal, mas ela também estava se vendo obrigada a viver várias coisas novas nos últimos anos. E descobrindo que podia, que conseguia. Era um processo em andamento, mas ela estava começando a gostar do caminho.

Deixou o café pronto já que sabia que o marido demoraria para acordar, não havia visto a hora que ele chegou, deveria ter sido mais tarde do que o comum.

A música suave tocava no rádio enquanto ela dirigia calmamente até a delegacia, olhando ao redor, sempre responsável, cuidando com o fluxo dos carros e parecia intenso, como sempre era nas segundas-feiras.

O céu azul do Rio de Janeiro a presenteava naquela manhã com a perspectiva de um dia bom, mas ao olhar para a calçada o coração dela parou por alguns minutos. Freando bruscamente o carro, ela percebeu que quase causou um acidente de trânsito. As mãos tremiam presas ao volante, ela não conseguia se mexer.

Olhando para o lado novamente, não viu mais o que jurava ter visto.

Voltando à órbita, ela começou a ouvir o festival de buzinas que a avisavam incansavelmente que ela precisava andar. Fechando os olhos e respirando fundo, ela deu partida no carro novamente, seguindo o caminho de maneira mais lenta que o normal, ainda não se sentindo plena em todos os seus sentidos.

Ela jurava que havia visto ele.

Embora eles não se vissem a anos e ela não se permitisse pensar sobre o ex-marido, às vezes as lembranças dele escapavam. Era cada vez menos frequente, mas acontecia. Pensar sobre Stenio não era saudável, não era bom e ainda doía.

The OneOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz