em todas as ruas te encontro (e te perco)

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Em todas as ruas te encontro

em todas as ruas te perco

conheço tão bem o teu corpo

sonhei tanto a tua figura 

que é de olhos fechados que eu ando

(Em Todas as Ruas te Encontro - Mário Cesariny) 


Quantos anos cabem em alguns segundos? Helô poderia jurar que quase 30 anos se passaram diante dos seus olhos enquanto encarava o ex-marido, ali, na sua frente. O arrepio que percorreu seu corpo em nada combinava com o ar quente que percorria o local. Os olhos de Stenio estavam cravados nela.

Ele estava lindo.

Os cabelos grisalhos, maiores do que antes, a barba ainda por fazer, a camiseta polo preta simples ressaltando os braços que hoje eram imensos.

"Eu vou entrar na academia pra valer, você vai ver", ele havia dito a ela uma vez. Ela se lembrava de ter dado risada e ele havia se deitado, rindo junto, sobre ela no sofá. Haviam dormido juntos naquela noite.

Ele havia cumprido a palavra dele.

Assim como havia cumprido a promessa de sumir da vida dela quando o divórcio saísse. Ele não queria, ela não quis recuar. Foi uma discussão feia. Uma memória que ela evitava trazer de volta. Por vezes se arrependia, mas isso era história para outro momento.

-Acho que espirrou um pouco no seu sapato – uma moça que trabalhava no café disse, trazendo Heloísa de volta a realidade.

- Não tem problema – ela olhou para o sapato, eram apenas respingos, nada demais.

- Traz outro café pra ela aqui na mesa – ela olhou para frente, vendo Stenio indicar para a atendente que olhou para ela confusa.

Ela sentia que estava se movendo no automático, não gostava de ser pega de surpresa dessa forma. Ela devolveu o olhar de interesse da atendente que acenou um "sim" silencioso.

Ela esperava que ele não tivesse visto a respiração funda que ela tomou antes de começar a andar até o ex-marido, mas ele viu.

Ele sempre via tudo que viesse dela, que fosse direcionado à ela, que remetesse à ela. Um hábito que ele nunca conseguiu mudar.

Ela havia mudado as pantalonas para as calças justas, que acentuavam suas curvas absurdas de uma maneira quase criminosa. A camisa vermelha aberta mais do que deveria na altura dos seios, mostravam de leve a renda do sutiã preto que ela usava. Os cabelos em ondas caiam pelos seus ombros.

Houve um tempo ele poderia caminhar até ela, perder a mão entre aqueles fios, puxá-la pela nuca até as bocas estivessem tão juntas e os gostos tão misturados que eles viravam um só.

Parecia ter sido uma vida inteira atrás.

Ainda bem que ela respirou fundo antes de ir até ele, afinal, ele se pegou fazendo o mesmo. Era um alívio saber que ela estava tão afetada quanto ele.

Quando ela se aproximou da mesa, ele se levantou, esperando para cumprimentá-la.

- Oi.

- Oi.

Os dois disseram juntos, sem saber como agir na presença um do outro ainda. Ele queria se inclinar e dar os dois beijos no rosto tão típicos dos cariocas, mas ela se sentou pouco depois não dando abertura.

The OneWhere stories live. Discover now