eterno desassossego

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"[...] e, eu, desesperado, agora sei

Que meu desejo é a morte que a ciência pôs de lado.

Não tenho mais cura, não tenho mais razão,

Enlouquecido em eterno desassossego;

Meus pensamentos e minhas palavras são de um louco,

À parte da verdade expressa em vão;

Pois te jurei ser autêntico, e acreditei-te iluminada,

Tu, que és negra como o inferno e escura como a noite.

(Soneto 147 - Shakespeare)


- Já vai! - Gritou Maitê depois de ouvir a campainha tocando insistentemente - meu deus, Heloísa, alguém morreu?

A delegada entrou assim que a porta abriu e foi direto para o sofá, cobrindo o rosto com a mão antes de responder.

-Minha sanidade mental. Minha sanidade mental acabou de morrer.

- Como é dramática - Maitê foi brincar, mas percebeu a amiga pálida - Heloísa você tá branca feito papel. O que houve?

- Ele voltou, Maitê. - Ela não tinha coragem de falar o nome dele ainda - Tá no Rio de novo.

Maitê e Helô eram amigas há anos demais, conheciam histórias demais uma da outra para precisarem de explicações. Ela havia acompanhado de perto o namoro adolescente, o casamento ruindo, a traição, a nova tentativa e o divórcio novamente. Só havia uma pessoa capaz de desestabilizar Helô dessa forma.

- Stenio voltou? - ela perguntou, mesmo já sabendo a resposta e aguardou a amiga acenar positivamente com a cabeça - Como você sabe?

- Encontrei com ele num café - ela fechou os olhos como se lembrasse de algo - Na verdade vi ele mais cedo e quase bati o carro...

- O QUE? - Maitê gritou com a naturalidade que a amiga contava algo desse tamanho.

- Não é relevante, foca no resto. - a delegada disso rapidamente, já querendo chegar onde importava na conversa - Achei que estava ficando maluca e segui meu dia normalmente, até eu ir tomar um simples café e encontrar ele lá.

- E aí? Como foi? - Maitê esperou uma reposta da amiga que ainda parecia pensar sobre tudo - Me conta.... Balançou? - ela perguntou levemente sorrindo, Heloísa poderia matá-la.

- Que mané balançou, Maitê! - ela respondeu irritada, se levantando do sofá - eu não via o homem fazia seis anos! Eu levei foi um susto, isso sim.

- Se não tivesse balançado não tava aqui. - A delegada não se deu ao trabalho de tentar questionar e, de qualquer forma, a amiga nem permitiu isso - Me conta...como ele tá?

Lindo. Bem. Bonito. Melhor do que deveria.

Muitos adjetivos passaram pela cabeça de Helô ao ouvir essa pergunta, mas no fim só havia uma coisa que Maitê precisava saber. Se sentando no sofá de novo, ela olhou para a amiga com uma certeza imensa no olhar.

The OneWhere stories live. Discover now