AUTOIMAGEM

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Coxas grossas, uma barriga caída para baixo com algumas estrias roxas em suas laterais, algumas celulites na base da bunda, esse era o reflexo que o espelho refletia sobre o meu corpo. O espelho não era muito grande, aparentemente eu era maior do que ele, meu corpo não cabia no vidro do espelho. Suas bordas eram vermelhas, com dois pequenos suportes para que ele se suportasse em pé. Era angustiante olhar para o reflexo que o espelho estava refletindo. Minha vontade era voltar para a cama, mas botei a camiseta por cima do meu sutiã preto, e fui trabalhar. Estava cansada de olhar para a minha autoimagem.

Deveria ser por volta das 15h10 da tarde, havia acabado de sair do trabalho, estava andando em direção ao terminal de ônibus que fica perto da estação do metrô República. O dia estava ensolarado, eu estava usando um moletom preto com estampa das fases da lua, essa era a minha roupa praxe de todos os dias, com um jeans ou uma legging, independente do tempo que estivesse lá fora, nos dias mais quentes do ano eu procurava uma roupa mais fresca para usar, mas o moletom era com certeza a minha vestimenta, ás vezes pensava que ele iria criar pernas e sair correndo para que eu parasse de usá-lo.

 Faltava apenas uma travessa para chegar ao terminal, até que fui abordada por um garoto que distribuía panfletos para uma loja de óculos. A loja ficava exatamente ao lado do meu trabalho; Com o bordão usado pela maioria das lojas "venha conhecer a nossa e blá blá blá, logo respondi que eu não tinha dinheiro nem para comprar uma bala, imagina um óculos, pedi desculpas, e informei que não tinha sentido eu ir apenas para olhar. No momento que comecei a caminhar para sair da meia calçada que intermediava as ruas, fui surpreendida com a resposta:
- Você não paga para andar na república, isso não quer dizer que não pode olhar.

 Ele definitivamente quebrou as minhas pernas, fiquei sem resposta. A minha boca transitava entre fechada e aberta enquanto eu pensava no que iria responder. As palavras fugiram.
- Já imaginou ter que pagar só pra olhar.

 Seu olhar estava fixo no meu, as palavras afiadas, o sarcasmos dançava a cada sílaba que saia de sua boca.

Eu não iria voltar apenas para olhar os óculos - pensei comigo mesma.
Prometi que iria outro dia (o que eu sabia que era mentira), levantei levemente a lateral do meu lábio junto ao meu olho direito que se fechou em conjunto ao sorriso simpático que lhe ofereci.


- Fico no aguardo moça.

Escutei a frase sair por completa de sua boca no momento que cheguei ao outro lado da calçada.
Segui meu caminho.

Cheguei ao curso de canto, o qual só começaria 19h00, teria bastante tempo ocioso pela frente. Sentei-me no banco perto das portas das salas e me peguei sorrindo, os dentes sobre os lábios inferiores, lembrando do moço que havia visto um pouco mais cedo. 

Era estranho, o jeito sarcástico e rápido que ele soltava as respostas, o sorriso dele ficava em looping na minha cabeça, e eu senti um pequeno friozinho começar na minha barriga. Coloquei as mãos cruzadas sobre ela.

Um pensamento passou pela minha cabeça - eu não poderia ter me apaixonado por um garoto que eu havia acabado de conhecer no meio da rua, poderia?
Esfreguei as mãos sobre o rosto.

Eu nem deveria estar me fazendo essa pergunta porque ela nem faz sentido, a pergunta correta a ser fazer seria, mas que porra esse garoto está fazendo nos meus pensamentos?? Faz nem menos de 2 horas que o vi, mas foi naquele momento que eu percebi que queria vê-lo novamente. Era um misto de sentimentos que se passavam por mim inclinada sobre o banco, raiva, medo e as borboletas que eu comecei a sentir querendo sair pela minha boca. Será que eu o veria novamente?

📷: Pinterest

Um Clichê por entre as Curvas do espelhoWhere stories live. Discover now