NOTAS SEMITONADAS

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Isabella é uma ótima profissional, mas em muitas sessões eu tenho vontade de esfregar a cara dela no meio do asfalto.

Eu não estou pronta para conversar sobre o meu corpo, esse é um assunto meu e só meu, na minha visão, eu acho que nem se trata mais sobre ser justo ou não, e sim uma consequência, eu fechei os olhos e estagnei aqui.

Ao longo dos anos eu obtive ganho de peso gradativo, começou na pré-adolescência, na infância eu parecia uma vareta, na pré-adolescência já comecei a ter uma acentuada no pé da barriga, as roupas ficaram apertadas, era visível o ganho de peso. Nesse período aos doze anos eu comecei a usar moletom para disfarçar a barriga, por mais que não adiantasse eu ainda recebia os mesmos xingamentos e insultos de sempre.

Eu me escondia cada vez mais dentro daquele moletom, comecei com a cor azul, depois o vermelho e por último o preto, pode-se dizer que o moletom virou o meu próprio casulo, faça chuva ou faça sol, estávamos eu e meus moletons, até hoje eu uso moletons, por mais que eu diga que eu me sinta confortável de usá-los hoje em dia, eu sei que é uma forma de continuar escondendo o meu corpo, continuar me escondendo.

De vez em quando eu uso algumas peças diferentes, posso considerar isso um avanço?

Eu me escondi tanto nesses tecidos largos, grossos e quentes que no momento que eu abri meus olhos, me enxerguei com 130 kilos, eu não sei como mudar isso, e nem se eu quero, se eu tirar a única coisa que me faz feliz e nunca sai do meu lado, o que vai sobrar de serotonina nesse corpo?

Só de lembrar o que se antecedeu a poucos minutos atrás os pelos do meu braço se arrepiam e meu ossos estremecem.

 - Justo?? Você acha justo as coisas que eu escutei?

A voz saiu exaltada, quase como um grito.

 - As pessoas são maldosas Isabella, se você não sabe, eu te conto.

 - Era notável o deboche e a frustração em minha voz.

 - E porque as pessoas te machucaram, você vai continuar fazendo as mesmas merdas que elas fizeram com você?

 Isabella esbravejou.

 - Nós decidimos o que nos afeta, e você está deixando que isso te afete, deixando que o que as pessoas te disseram controle você.

- VAI SE FUDER!!

Escutei a batida da porta atrás de mim, seguido de um estalinho agudo no chão, tem grandes chances de eu ter desconjurado a porta, só aguardar a fatura na minha casa.

Peguei o primeiro ônibus que passou, o caminho era mais longo para chegar ao meu destino.

Ela dizer que eu deixo o que os outros me falam me aflija já é demais, eu queria ver se ela teria a mesma opinião se escutasse as barbaridades que eu já escutei.

Eu pensei seriamente em voltar para a casa, mas o que eu ganharia? Mais uma noite chorando? Melhor deixar para chorar quando eu for me deitar, pensei demonstrando um sorriso despretensioso.

Em certas ocasiões é mais fácil fingir que nada aconteceu, escuto meu celular vibrar no bolso, quando o abro na palma da mão é uma mensagem de Gabriel.

  "Está tudo bem? Aconteceu alguma coisa? Posso te ligar?"

Como eu iria falar para ele, "eu fui embora porque eu não sou um avestruz para colocar minha cabeça embaixo da terra e me esconder para sempre da vergonha que eu passei"

Inspirei fundo e coloquei o celular de volta no bolso.

A voz de Isabella passou pela minha cabeça

"Se fosse ao contrário, você gostaria?"

Um Clichê por entre as Curvas do espelhoWhere stories live. Discover now