RECEIO

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Fizemos alguns exercícios de relaxamento para o início da aula, foi aqui que eu aprendi a bocejar sem colocar a mão na boca para relaxar a mandíbula e deixar a face mais solta, e onde abri a porta para passar vergonha em público, porque eu comecei a esquecer de colocar a mão na boca quando estou entre outras pessoas. Depois cada um cantou a música que tinha escolhido para cantar em aula, a sala era pequena, toda branca com um piano médio ao lado da porta e em sua frente um pequeno palco montado para que pudéssemos nos apresentar. 

Escolhi a música da Ana Carolina chamada Garganta, precisava treinar meus graves. A professora chamava as sopranos de gralhas, um apelido fofo para as vozes agudas. Eu deveria ser a gralha maior devido o meu problema de afinação, eu vou subindo as notas sem perceber e faço a minha turma inteira subir junto e erramos em conjunto. 

O feedback foi bom, a professora passou alguns exercícios de voz para que eu conseguisse colocar a minha tecitura mais no grave e, como ela disse estava melhor do que nas primeiras aulas que nem alcançar as notas graves eu conseguia. Eu não sentia mais vergonha de cantar em frente a minha turma, apoiávamos sempre uns aos outros, era um lugar de segurança, eu ficava nervosa pelo fato de não ter controle sobre a minha voz, mas processo é isso mesmo, um passo de cada vez, melhor do que ficar parado no mesmo lugar.

 Desci do ônibus próximo da 00:00 e fui caminhando para casa junto ao meu pai, ele sempre vem me buscar para que eu não volte sozinha. É cansativo acordar cedo e voltar tão tarde pra casa, mas eu me sentia renovada, sentia que eu estava no lugar onde deveria estar, poderia não estar tão próxima do meu sonho de atuar como profissional na área do canto, mas estava caminhando. Subi as escadas de casa, as pernas pesando pelo dia cansativo, andei cambaleando em direção ao banheiro, tirei a blusa e as calças, e entrei no chuveiro sem olhar para o espelho. 

Eu não queria lavar o cabelo a essa hora da noite, mas ir trabalhar no dia seguinte com o cabelo que bate nas costas todo sujo não dá. Lavei, esfreguei a cabeça e deixei a água quente escorrer pelos ombros. Sai do chuveiro, me enrolei na toalha laranja que não era tão pequena, mas não conseguia dar a volta por todo o meu corpo, sobrando uma parte em aberto que mostrava a curva de minha barriga. Pulei diretamente na cama depois de ter colocado o meu pijama largo cor de rosa com flores, não tinha pijama mais confortável para se dormir. E apaguei..


O relógio começou a tocar ás 6h00 da manhã, e eu só desejava que fosse sábado para que eu pudesse continuar na minha cama quentinha, com os cobertores aquecendo meus pés. Inspirei fundo e levantei, fui para a cozinha tomar o café com leite que o meu pai tinha feito pra mim, passei requeijão em um pão e coloquei para dentro. Sai de casa faltando 10 minutos para as 7 da manhã, o ponto de ônibus ficava praticamente na esquina de casa, e levava quase 1h30 para chegar ao centro. Fiquei o dia todo sentada na cadeira hoje no trabalho revisando erros de grafia que poderia possivelmente ter em alguns dos artigos antes deles serem publicados pelo departamento de marketing.

 
O relógio já marcava 15h, peguei minha mochila da obra céu estrelado de Van Gogh, desci o elevador e me redirecionei para a rua. Assim que coloquei os pés na rua avistei ele logo ali na calçada, a loja de óculos que ele trabalhava só não era do lado do meu trabalho porque tinha um comércio no meio para impedir. Senti as minhas bochechas corarem, eu provavelmente estava parecendo um tomate como as pessoas me chamavam quando eu ficava envergonhada por algum motivo. O rubor das minhas bochechas me entregavam antes mesmo que eu pudesse cumprimentá-lo.

 Ele logo me viu e acenou, continuei caminhando sobre a calçada como se não tivesse o visto, mas a sua pergunta ainda se fez presente: - E então moça, você vai entrar hoje para conhecer a loja não vai? Logo respondi:
- Hoje não, pode ser outro dia?
- Você me disse que iria entrar na loja para dar uma olhada hoje, eu me lembro viu e promessa é dívida. Fiquei sem graça e disse que em outro dia iria passar lá.
Dei um sorrisinho de canto e comecei a andar para o meu destino - Até depois - disse revirando meu pescoço para que eu conseguisse olhar para trás. Dei dois passos a frente e me lembrei que não sabia seu nome, me virei novamente e gritei:
- Heey, qual seu nome?
- Meu nome é Gabriel e o seu?
- Karina - gritei de volta.


Gabriel era um rapaz de altura mediana, com cabelo castanho escuro, seu corpo era bem magro, posso dizer que seria o próprio contraste do meu, como minhas amigas me dizem, eu gosto de caras que se o vento passar leva e o seu sorriso era a coisa mais contagiante que eu já tinha visto, um sorriso largo que se espalhava por todo o rosto. Hoje ele estava usando uma calça jeans cor bege e uma blusa da empresa de óculos na qual trabalhava, ficava certinha em seu corpo. Eu me senti uma boba por não ter entrado na loja, poderia ter conversado um pouco mais com ele, mas ele estava trabalhando e era só isso. Meu peito subiu e desceu em frustração, meu coração queria algo que a minha mente sente medo, espero encontrá-lo amanhã novamente, entregador de panfletos cada dia é uma pessoa nova. 

Hoje fui direto para a casa, não tinha curso nesse dia.


📷: Pinterest

Um Clichê por entre as Curvas do espelhoWhere stories live. Discover now