LENÇOS

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Puxava os lençóis com os dedos trazendo o tecido para a palma das minhas mãos, minhas pernas estavam esticadas na cama, meu olhar direcionado para o teto, sentia as lágrimas escorrerem pela lateral do meu olho, pingando no travesseiro, a sensação de um coração partido, todo mundo uma hora passa por isso, quem nunca teve um coração partido? Mas porque dói tanto??

 
Essa não foi a primeira vez que meu coração foi partido, próximo dos meus 12 anos, eu tive uma pequena queda por um menino da minha sala, o nome dele era Vitor. Vitor, tinha cabelos castanho claro, quase como um loiro, era considerado o garoto mais bonito e descolado da escola, o evento canônico na vida de toda menina se apaixonar pelo garoto mais popular da sala, na minha cabeça de pré adolescente daria certo escrever uma carta me declarando para ele, e nem preciso dizer que foi uma ideia de girico né? No mesmo momento que eu lhe entreguei, ele a rasgou na frente da turma inteira e a jogou no lixo, sem ao menos ler o que eu tinha escrito, além de ter o coração partido naquele dia, eu tinha passado uma das maiores vergonhas da minha adolescência. Eu não lembro da expressão que Vitor fazia quando rasgava meu bilhete, apenas o papel se transformando em vários pedacinhos sendo jogados na lixeira e as risadas de fundo, essa tinha sido a única vez que eu me permitirá contar para alguém meus sentimentos antes de hoje.

Cutuquei delicadamente o braço de Gabriel para que ele se levantasse, em silêncio Gabriel levantou sua coluna devagar ficando sentado ao meu lado, levantei do banco porque já havia avistado meu ônibus virando o cruzamento para passar, ergui meu braço dando sinal para o ônibus.

Tchau - escutei Gabriel falar

Olhei por trás do ombro, e curvei levemente os lábios formando um pequeno sorriso, ou quase algo próximo disso, era difícil demonstrar que estava tudo bem, quando estava tudo tão confuso.
O vento tinha ficado cada vez mais forte, meus cabelos voavam para a frente do meu rosto atrapalhando a minha visão sobre Gabriel que permanecia sentado no banco, me virando para subir no ônibus vi Gabriel encurvar a coluna de frio, e formar um breve sorriso antes que eu tivesse me virado por completo e subido as escadas do ônibus. O sorriso era para reconfortar a situação, não para demonstrar que estava tudo bem. Quando estava quase perdendo Gabriel de vista, observei pela janela Gabriel se levantando para ir embora, seu olhar permanecia voltado para o chão, e o vi enfiando a mão no bolso, provavelmente para pegar algum cigarro.

E cá estou eu esparramada na minha cama, sentindo a sensação dolorosa do meu coração batendo dentro do peito, dói a cada batida que ele bate, a cada pulsação dolorosa uma lágrima cai sobre meus olhos, meu travesseiro já deve estar todo encharcado, sinto minhas narinas congestionadas, o pescoço todo molhado junto ao suor, os cabelos presos em minha nuca e a cada tranco de choro minha garganta se arranha mais um pouco.

Domingo é um dia que eu não preciso fazer nada, minha mãe apareceu na porta algumas vezes para saber se eu estava bem, informei que não queria conversar sobre o que tinha acontecido no encontro - como se fosse necessário, era possível escutar o meu choro por trás da porta, passei o domingo inteiro na cama, deixei o meu celular longe jogado na cabeceira do lado do travesseiro,  não era como se eu quisesse receber mensagem de alguém, mas com quem eu falaria?
Quando os pensamentos me atravessavam eu chorava, depois eu me acalmava, depois eu chorava de novo, e esse foi o ciclo do dia de domingo. Pela janela o dia se despedia para a chegada da noite, e eu só desejava que voltasse para quando o sol estava nascendo, porque amanhã já era segunda, e eu não queria sair dessa cama.

As tarefas do dia estavam no automático, parecia ter um vazio dentro de mim, em vários momentos do dia se tornavam redemoinhos, sentia as entranhas se apertarem cada vez que o redemoinho começava a girar. E girava, girava e girava, minha cabeça não entendeu que acabou, aqui dentro ainda fico procurando alternativas e meios de mudar o ocorrido, porque fazer isso é mais fácil do que lidar com o final, do que lidar com o não. Ora as águas se acalmavam se desfazendo das correntezas que ficavam se debatendo nas superfícies do peito, como se eu não sentisse nada, estivesse anestesiada e tudo passa-se por mim, outra ora, quando voltava em turbilhão, uma agitação, uma angústia, que muitas vezes transbordava sobre os olhos.

Um Clichê por entre as Curvas do espelhoWhere stories live. Discover now