EM VOZ ALTA

180 20 0
                                    

O silêncio nos abraçou pelo momento que antecedeu o pedido da minha saída.

Com os olhos arregalados, envoltos por água, eu encarava Isabella. Eu sabia disso, Isabella sabia disso, só não esperava que ela falasse isso em voz alta.

- Até quando você vai fugir de você? - disse Isabella enquanto me acompanhava com os olhos a caminho da porta

- O quanto eu puder - respondi cabisbaixa já com a porta na mão, fechando-a atrás de mim.

Saí pela rua com a cabeça atordoada, os olhos marejados, os sons da rua pareciam zumbidos em meu ouvido, minha visão estava turva, minha respiração alta, estava começando a ficar difícil de respirar. Avistei um banco próximo, rente a calçada e sentei-me, deixando cada mão de um lado do banco, segurando-o por baixo parecendo uma concha, o corpo voltado para frente, minha caixa torácica subia e descia de uma forma tão pesada que estava me sufocando, como se o ar não chegasse nos meus pulmões, e não conseguisse passar da minha traqueia, pingos de água caiam sobre a minha legging.

Isabella tinha razão sobre o que falava, a frase estava se repetindo como sussurros em minha mente, várias e várias vezes, como alguém poderia gostar de mim, se nem eu mesma gosto? Soprei as palavras que se foram com o vento; Eu idealizei o tempo inteiro que se alguém gostasse de mim, eu iria aprender a gostar também, ou que quando isso acontecesse eu finalmente iria acreditar que poderia ser amada.

Essa era uma conversa comigo mesma que não tinha fim, eu não chegava a uma conclusão, só sabia que tinha o desejo de ser amada, por outra pessoa, não por mim.

Aguardei a minha respiração normalizar para pegar o transporte para casa, terça-feira passou tão rápido que eu nem tinha notado que já estamos na metade do dia de quarta, ontem eu ensaiei as entradas nas músicas que participarei do coral, e hoje eu só preciso transparecer. Pelo resto do dia permaneci meio apática, não tinha ninguém em casa, aproveitei para ficar deitada debaixo dos cobertores após tomar um banho, com um pequeno vazio acompanhado da sensação de querer sumir.

.......

As árvores ainda balançavam por conta da ventania, o céu estava nublado acompanhado com nuvens cinzas, não parecia que iria chover, o tempo estava com cara de bunda. Coloquei a mochila no ombro direito e sai em direção ao terminal. Caminhei cabisbaixa para não dar de encontro com Gabriel, na esperança de passar o mais rápido possível sem ser notada, uma hora eu tinha que voltar para o meu caminho habitual. No momento em que a minha perna estava quase passando da galeria escutei Gabriel me chamando

- Oi, moça

A voz era de um tom alegre, mas era possível escutar um receio em sua voz.

Virei apenas o pescoço para responder a voz alegre que me chamava.

-Oi Gabriel

Meus lábios pressionaram-se enquanto nossos olhos se encontravam, no pequeno movimento de minha traqueia, senti meus sentimentos serem engolidos.

- Não passa mais por aqui? - Perguntou Gabriel desviando o olhar para seus pés.

Oque eu poderia responder ?

- Eu preciso ir, estou atrasada - apontei para a frente atravessando meu braço direito pelo meu busto.

- Desculpa - coloquei a mexa do cabelo que voava com o vento atrás da minha orelha.

Completamente de costas escutei Gabriel pedir para que eu espera-se, sua voz parecia que guardava algum receio ou algum medo, como se não soubesse como falar..

Permaneci parada no mesmo lugar.

Escutei os passos de Gabriel se aproximando até ficar próximo de mim, com o corpo virado do meu lado.

- Eu quero te entregar uma coisa

Enfiando sua mão no bolso, bem no fundo ele pegou algo que eu não consegui definir de primeira o que era, era um objeto pequeno, com o punho fechado retirou o objeto de seu bolso.

- Abre a mão - pediu Gabriel

Intermediando minha visão entre seu rosto e meus sapatos, abri a mão e bem no centro da minha palma ele colocou um objeto pequeno.

Fechei a mão em reflexo. Um objeto pequeno, com várias partes pontiagudas, quando abri novamente os dedos tive a clareza do que era, um chaveiro da Úrsula.

- Obrigada

Eu não sabia como reagir, deixei escapar um pequeno sorriso, mas logo estava encarando o chão novamente.

O chaveiro era a coisa mais linda e fofa, era uma mini ursula.
E o que eu fazia agora? Lhe dava um abraço depois de tudo? Um aperto de mão? Ou apenas esse pequeno sorriso.

Ficamos parados igual estátuas um na frente do outro.

- Gostou? - escutei Gabriel perguntando.

Sua face analisava a minha para saber se a minha resposta seria verdadeira.

- Sim, é muito bonito Gabriel, obrigada de verdade! - disse enquanto admirava o presente.

Ele parecia satisfeito com a resposta.

Eu comprei no dia -houve uma pequena pausa - no dia em que nos desentendemos.

- Não precisava Gabriel

- Eu estava de cabeça quente, precisava resolver alguns problemas para minha mãe e quando vi esse chaveiro lembrei de você e comprei.

- Então você está guardando o chaveiro desde que nos "desentendemos"?

Eu não esperava por isso

- Sim, eu sabia que uma hora você iria ter que passar por aqui..

Gabriel estava sem graça.

- Obrigada de verdade! Eu gostei bastante.

Ambos sem saber como reagir, desviavamos os olhares para vários lugares, onde no caminho eles se encontravam, até pararem em lugar nenhum.

- Obrigada - disse novamente - agora eu preciso ir.

Acredito que Gabriel não sabia se tinha intimidade o suficiente para me dar um abraço ou se eu gostaria de receber um abraço seu, por isso senti sua mão encostando em meu ombro com um leve aperto.

- De nada Ka! Espero que tenha gostado.

Estranhei o gesto, eu não sou uma pessoa de muito contato, quando senti sua mão em meu ombro, tentei fingir normalidade, sem ao menos olhar para onde sua mão estava encostando. Quando Gabriel voltou seu braço para a lateral do seu corpo era possível sentir o constrangimento dos dois.

- Depois nos falamos, beleza?

- Claro Ka, tudo bem.

A sua expressão transparecia um pouco de frustração, talvez ele esperasse que eu conversasse mais, que eu ficasse por ali ou falasse mais alguma coisa, mas o que eu poderia falar?

📷: Pinterest

Um Clichê por entre as Curvas do espelhoWhere stories live. Discover now