DE DENTRO PARA FORA

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— Como é que eu faço? Como é que eu faço para me sentir bonita?

Pergunto à Isabella com determinação na voz.

— Você quer uma receita de bolo? — Indagou Isabella. — A receita vai funcionar?

Ainda estou de pé diante de Isabella. Nem dei tempo sequer para que ela me perguntasse como foi a minha semana, eu queria respostas, respostas que ela mesma vinha me cobrando há várias sessões. Se eu não consigo achá-las, por que Isabella finalmente não pode me dizer?

— Você falta duas semanas seguidas na terapia e volta desse jeito? Calma!

Os trejeitos de suas mãos ossudas e magras faziam sinais para que eu me acalmasse.

— Eu não encontro as respostas, Isabella. Pelo menos me diga onde elas estão escondidas para que eu possa procurá-las. Você sempre me diz que eu devo me achar bonita, que eu tenho que aumentar a minha autoestima, então me diga. Como?

Bato com as unhas fortemente em meu peito várias vezes e começo a perambular pela sala de um lado para o outro.

— Como é que eu faço para me ver e me sentir bonita? Como é que eu faço para me sentir gostosa? — Suspiro alto e contínuo após uma breve pausa — Como é que eu faço para me enxergar no espelho sem me ver como um erro, Isabella?

Acanho os ombros acompanhada por um longo suspiro e uma lágrima que se manteve pendurada por tempo demais, lutando para não ser derramada.

— Todos nós temos erros, Karina, a questão é que você só vê eles. Você não é um erro — Assentiu Isabella.

— Eu não quero me enxergar mais no espelho dessa forma.

Encho as minhas bochechas de ar, impedindo que as lágrimas brotem.

— Escuto diversas vezes ao dia, de lugares diferentes, que se você quiser, você consegue mudar, mas e quando você mesma acha que não merece isso? Que não merece mudar, e muito menos uma nova chance.

Me retraio, deixando o pescoço e a cabeça pender sobre a coluna por conta da agulhada forte que senti em meu tórax.

— É uma luta vir até aqui e expressar os meus sentimentos para você. Eu não tenho escolha a não ser ter que levantar todos os dias da cama, e lutar por mim, por mais que — encho as bochechas de ar novamente, tentando inutilmente impedir que as lágrimas rolem — esteja falhando desesperadamente. E se levantar da cama for uma escolha, essa pelo menos eu estou conseguindo realizar.

Admitir que eu não me sinto merecedora das coisas para outra pessoa foi a coisa mais difícil e íntima que compartilhei com alguém. Não me sentir merecedora de amor, de carinho, de novas chances. Isabella já mencionou que algumas das minhas falas e fases poderiam se enquadrar em um quadro depressivo, e concluo que esse pode ser um desses momentos. Como eu posso dizer para alguém ou para mim mesma que eu não quero mais tentar? Que eu só quero parar, sendo muito mais fácil me afundar no colchão do meu quarto, adentrando dentro de suas linhas, e costuras, me desatando dos compromissos da vida cotidiana que eu ainda tenho laços.

Como eu posso dizer para alguém que não vejo sentido em acordar porque não gosto de mim? Porque não gosto do que vejo no espelho? Porque não me acho bonita o suficiente e, por consequência, não acho que sou merecedora do amor de ninguém pelo corpo que me coloca de pé.

— Eu quero tentar, Isabella, mas como que eu faço isso? Todas as consultas você me diz que eu preciso disso, que eu preciso daquilo, mas como? Me ensina, me ajuda!

Não é fácil me despir em frente a Isabella, mesmo sem tirar uma única peça de roupa. Se eu não me deixar ser persuadida, eu nunca irei sair do ponto em que estagnei. Estamos batendo à tanto tempo em ponta de faca. Seria muito mais fácil se eu fosse como um livro, contendo uma capa bonita, linhas ajeitadas e capítulos previsíveis. Isabella com certeza diria que se eu fosse um livro, ele seria interessante, e cheio de mistérios para descobrir. Se ela pudesse me ler, e as palavras voassem à frente dela, com certeza seria mais fácil! Mas eu preciso fazer com que as palavras cheguem a ela através da minha boca. Isabella não tem como descobrir as angústias, os medos, os receios que se passam aqui dentro, e os caminhos tortuosos que se formaram ao longo do percurso.

Um Clichê por entre as Curvas do espelhoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora