H20

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O sol reluzia por todos os móveis e cantos do quarto, as cortinas se fecharam aos meus dedos com o puxar do pano, a luz ainda reluzia pelos cômodos, atrás da cor rosa do tecido, impondo sua presença. O quarto permanecia claro, quieto, apenas com o barulho suave do farfalhar das folhas nos galhos. Inspirei fundo deixando que todo o ar entrasse por cada pedacinho da minha corpulência. Meu corpo se banhava com a claridade que transparecia pelas cortinas, os feixes de luz que escapavam conforme o vento leve a bagunçava.

O sol me fazia acreditar no recomeço, ele sempre se põe todas as manhãs, sem falta, independente do que aconteça, mesmo que esteja envolto e coberto por nuvens.

Recomeçar..

Trago o travesseiro deixando-o entre o meio das minhas pernas, sua fronha contém o desenho de pétalas amarelas claras e ramos de folhas por todo o travesseiro envolto da cor branca. Abafo-o contra o peito, amassando suas laterais com as mãos, estreitando ele cada vez para mais perto do meu peito, como se fosse uma cama para que meu coração pudesse repousar. Doía tanto, e eu sabia que seria uma dor passageira. As bochechas ardiam pelo atrito da blusa que eu passará várias vezes para limpar as lágrimas que desciam sobre elas.

Recomeçar? Recomeçar como?

Respiro com o fôlego curto, soltando o ar rápido, sentindo meu abdômen tremer a cada vez que deixo o ar sair pelo nariz.

Eu sei que daqui a dois anos isso não vai mais fazer diferença, não vai mais doer da forma que está doendo nesse momento, mas o que eu faço agora? Porque  agora está doendo para caralho!

Eu só quero entrar debaixo das cobertas e não sair daqui até descobrirem um planeta novo, não quero me apaixonar nunca mais, não quero deixar ninguém se aproximar de mim!

Dou um grito que abafo com a parte de cima da fronha.

As palavras pareciam zig zag na minha cabeça, correndo de um lado para o outro, latente na parte de trás da minha nuca.

"Eu gosto de você, mas não estou pronto para um relacionamento"

"Eu gosto de você, mas"

"Eu gosto de você"

A lembrança do seu beijo me ocorre após a transmissão do neurônio passar pela fenda sináptica e ser percorrida para o outro neurônio.

Limpo a boca imediatamente com a manga do moletom, talvez eu devesse limpar a minha boca com cândida, TALVEZ, eu devesse limpar a boca dele com cândida para ver se ele começa a falar a verdade. Provavelmente ele já deveria ficar com ela faz tempo, ninguém namora assim de um dia pro outro, entre o pôr do sol e o amanhecer.

Um sentimento novo se instalava pelas minhas entranhas, a raiva! Dessa vez além dos sentimentos anteriores eu ganhei mais esse de brinde. Ele me fez de palhaça por todos esses dias, ocultou as coisas de mim, qual é o barulho que ecoa na cabeça dele quando ele a coloca no travesseiro? Perguntar-lhe se ele sentirá a minha falta seria uma falácia, eu já obtinha a resposta, até porque, por que ele sentiria a minha falta? Ele tem a Marcela, ele escolheu ela, isso se considerar que eu já fui uma opção, e eu tenho quem?

Eu tenho eu!

Eu!

Como sempre foi!

Quando Vitor rasgou a minha carta na frente da sala toda.

Quando eu dei o meu primeiro beijo sem a minha vontade, Alice nunca entenderá, para ela o importante era perder o "BV" e deixar de ser beijo virgem, eu queria ter esperado alguém legal, alguém especial, alguém que gostasse de mim, mas se for parar para pensar, se o meu primeiro beijo tivesse sido com o Gabriel, teria sido como trocar seis por meia dúzia.

Um Clichê por entre as Curvas do espelhoWhere stories live. Discover now