ESPELHO, ESPELHO MEU

337 24 14
                                    

Hoje o dia estava ensolarado após o trabalho, um vento fraco batia sobre os meus cabelos, estava quase passando em frente á loja na esperança de vê-lo hoje, e lá estava ele, com a mesma roupa do dia anterior, explicando as diferenças das armações para a cliente que estava á sua frente. Era uma mulher, alta loira, aparentava uns 35 anos de idade, vestia uma blusa azul, um salto bege, e uma calça jeans azul escura, os seus óculos estavam em suas mãos, comparando com o outro da loja. 

Hoje eu não poderia me estender, a minha consulta com a psicóloga estava marcada para às 16h30, segui em direção ao terminal, e peguei um ônibus para a Lapa, cheguei no consultório faltando aproximadamente uns 15 minutos para a sessão.

Sentei-me na cadeira acolchoada da sala, minha psicóloga estava em outra cadeira logo à minha frente com as pernas cruzadas e como todas as consultas sem falta começamos pela pergunta que se inicia todas as minhas sessões.

- Como você está hoje? - perguntou ela

-Eu estou bem - respondi

-Na verdade, aconteceu uma coisa estranha - eu disse com a voz risonha, e os ombros acanhados. Estava envergonhada.

-Hum, e o que seria?

-Eu conheci um rapaz, e bom ... ele mexeu comigo, eu não sei explicar. Conheci ele entregando panfletos convidando para ir visitar a loja de ótica na qual ele trabalha.

-E você sabe o nome dele? - perguntou

-Sim, o nome dele é Gabriel, já é o terceiro dia que eu o vejo, mas não chegamos a conversar.

-E você pretende chamá-lo para sair?

Comecei a tossir de nervoso e logo em seguida comecei a rir.

-Claro que não - Disse ainda rindo.

-E porque não?

-Eu não sei, não estou afim de levar um fora, é só um cara que eu achei bonito, só isso, e quis comentar hoje em sessão porque foi estranho a forma que nos conhecemos, só isso.

A expressão da psicóloga ficou um pouco séria antes de falar a próxima frase.

-O não nós já temos, temos que correr atrás do sim. E se ele falar não, qual o problema? Você não vai morrer por causa disso. Melhor se arrepender por algo que você fez do que se arrepender por algo que não fez.

Essa frase é o que sempre minha mãe tem me dito.

Permaneci em silêncio

-Do que você tem medo? - Perguntou ela

-Eu não sei - Respondi

-Certo, pense sobre isso e conversaremos sobre isso na próxima sessão. E como estão as coisas com a família?

Nos últimos minutos da sessão, conversamos um pouco sobre a minha família, falei que estava tudo bem e depois contei como estava indo no Curso de Canto.

É claro que eu sabia do que eu tinha medo. A minha vontade era gritar "olha pra mim, olha para o tamanho do meu corpo, você acha mesmo que um garoto iria querer sair comigo?" Esses pensamentos passavam pela minha cabeça no caminho de volta para casa, meus olhos começaram a lacrimejar conforme os pensamentos passavam pela minha cabeça. Meu coração se apertava junto a frustração, e o desenrolar das lágrimas que caiam, limpei minhas bochechas com as mangas do meu moletom. 

Eu sinto vergonha de mim, é difícil admitir isso muitas vezes. Por muitos anos escondo o meu corpo usando moletons largos para não delinear o meu corpo. Onde que um cara vai querer namorar uma menina que tem uma barriga enorme? Os caras só querem saber de meninas bonitas, saradas, que expõem seus belos tanquinhos em qualquer roupa que vestem. Suspirei alto, fechando os olhos lentamente e os abrindo novamente, admitir que tenho vergonha de mim mesma para mim foi difícil, imagina dizer isso em voz alta para outra pessoa?

Desci do ônibus perto de casa, graças a deus hoje era um dos dias que eu não tinha aula, definitivamente hoje eu não queria socializar com ninguém.

Abri a porta do banheiro, e parada em frente ao espelho as lágrimas começaram a escorrer novamente, retirei minha blusa, e comecei a pressionar a minha barriga com as mãos, apertava de um lado, apertava do outro, onde isso poderia se considerar bonito? Dos apertos senti as minhas unhas se encravarem na minha barriga, deixando impressa as marcas do meu ódio. A falta de ar estava entre o meio do grito que estava preso em minha garganta, meus lábios se abriam para a lateral para que os soluços pudessem sair, já que mantinha meu grito preso entre a garganta e o peito. Minha coluna estava curvada, meus braços seguravam a lateral da pia, eu não conseguia respirar, meu peito subia e descia rapidamente na tentativa de pegar o ar. Eu não parava de chorar, e o eco do meu choro reverberava nas paredes do banheiro, comecei a bater o punho com força na pia repetidamente, eu não sabia como parar de sentir aquilo, meu rosto já estava encharcado com as minhas lágrimas. 

Aos poucos fui me acalmando, a respiração foi se normalizando e voltei o meu rosto na direção do espelho. Meu rosto estava inchado, as pupilas dilatadas, o cabelo suado grudado na testa e em minhas bochechas que estavam ruborizadas. Senti que a minha visão estava ficando turva, pressionei meus lábios um contra o outro, inalei o máximo de ar que o meu pulmão suportava e soltei tudo de uma vez pela boca. 

No gancho do banheiro ao lado do espelho havia uma toalha azul pendurava, girei o registro para que a água pudesse cair sobre a minha coluna, permaneci encarando o chão por um longo tempo, desencurvei a coluna permanecendo com a visão para os meus pés, ensaboei o meu corpo lentamente sentindo como se todos os meus ossos doessem, igual o meu peito doía nesse momento. Terminei a ducha e fui direto para a cama, amanhã seria um novo dia, como sempre.

 
📷: Pinterest

Um Clichê por entre as Curvas do espelhoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora