Capítulo vinte e cinco - Confiança

3.4K 238 156
                                    

Parecia que aquela caminhada jamais chegaria ao fim. Em alguns momentos, Hikari torcia para que chegasse a noite e, assim, eles pudessem parar e descansar um pouco, mas se dava conta de um pequeno detalhe: não havia muita diferença entre o dia e a noite por ali. Tudo era escuro. Por poucas horas, uma tênue iluminação dava a falsa sensação de que em breve o sol iria surgir por entre aquelas nuvens negras que dominavam o céu... Mas logo a escuridão voltava.

Num determinado momento, os dois estranhos resolveram parar. Hikari deu graças por aquilo, já começava a ficar agoniada por ter que caminhar naquele mundo horripilante, sem conseguir enxergar quase nada além de um ou dois metros diante de seus olhos. Sem contar que seu corpo estava dolorido. Não apenas devido àquela caminhada, mas ainda pelos efeitos do despertar de sua energia há poucos dias. Quantos dias? Dois? Três? Ela não fazia a menor ideia. A noção de tempo naquele local era completamente nula.

Uma fogueira foi acesa e Kiara deu a Hikari um cobertor, para que pudesse se proteger do frio. A contragosto, a garota aceitou, mas fez questão de ir se deitar o mais distante possível, tendo o cuidado de dormir praticamente abraçada ao seu sabre, para ter uma forma de se defender de qualquer ataque-surpresa, fosse daqueles dois ou de qualquer outro repulsivo youkai que estivesse por perto. O cansaço era tanto que ela não demorou a cair num sono pesado.

Acordou horas depois, quando já era "dia", ouvindo uns estranhos ruídos. Abriu os olhos e avistou algo: um estranho ser, com uma corcunda enorme, envolto em roupas que mais pareciam trapos, remexia numa grande bolsa que o "encapuzado" (que ela ainda não sabia o nome) costumava carregar. Ao ver aquilo, Hikari não pensou duas vezes: levantou-se e, sorrateiramente, se aproximou daquela criatura. A mão, agarrada fortemente ao cabo do sabre, preparava-se para desembainhá-lo e destruir aquele ladrãozinho num golpe só. Quando se aproximou o suficiente para fazer isso, viu-se detida pela mão que se agarrou fortemente à sua, impedindo-a de sacar sua arma.

– O que está fazendo? – Hikari gritou, encarando Kiara.

Com o grito, o youkai que mexia na bolsa se assustou e voltou-se para elas. Tinha as feições do rosto bem parecidas com as de um ser humano, mas com orelhas pontudas e um tom de pele arroxeado. Desesperada por ter sido descoberta, a criatura caiu sentada no chão e pôs-se a respirar pesadamente, temendo o que aquela garota armada poderia fazer caso a outra youkai a soltasse.

– O que VOCÊ está fazendo? – Kiara devolveu a pergunta. – Que direito acha que tem para matar alguém?

– Não é "alguém". – Hikari retrucou, nervosa – É um monstro nojento, que estava tentando roubar. Youkais não merecem nada além da morte!

– Você merece a morte também?

Ao ouvir aquilo, Hikari subitamente parou de tentar se soltar. Foi como se todo o peso daquela verdade caísse novamente em suas costas. Ela também tinha sangue youkai... O mesmo sangue nojento que corria nas veias daqueles seres que ela tanto desprezava. Mas se recusava a se igualar àquelas 'coisas'. Ainda mais na situação do momento: aquele monstro estava tentando roubá-los! Era uma criminosa! Tornou a olhar para ela e, mais uma vez, sentiu um peso imensurável desabar sobre si ao ver que a 'corcunda', na verdade, era uma pequena criança que, naquele momento, começou a chorar... Certamente por fome.

A youkai, ainda tomada pelo desespero, curvou-se diante das duas e encostou a cabeça ao chão, implorando pela sua vida:

– Me perdoem, por favor! – Ela dizia, em meio a soluços. – Eu só queria dar um pouco de comida ao meu filho... Por favor, me perdoem.

Kiara suspirou diante daquilo, e, percebendo que a garota estava atônita demais para tentar qualquer ataque, soltou-a e abaixou-se diante da outra youkai. Abriu a bolsa e tirou de lá um pouco de comida, entregando-a em suas mãos. Tal ato fez a youkai levantar o rosto e fitar aquela que lhe ajudava.

GuardiansWhere stories live. Discover now