Capítulo vinte e seis - Escolhas

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Depois de tanto correr, ela parou ao ter o caminho bloqueado por uma youkai. Na verdade, Hikari apenas soube que se tratava de uma youkai quando sentiu a forte energia que emanava dela. Aliás, perguntou-se desde quando conseguia sentir aquelas coisas. Desde que sua energia despertara, era a primeira vez que podia identificar um youki. Certamente porque aquele, em especial, era bem forte. Ela tinha a aparência humana, exceto pelos olhos e cabelos de cor violeta.

– Hikari-sama... – A youkai pronunciou, num tom irônico – És tão pequenina para ser a princesa do nosso mundo.

A atitude natural da ariana diante daquilo certamente seria irritar-se com a ironia do "sama", bem como com o descaso da frase dita. Contudo, a mente de Hikari encontrava-se atordoada demais para deixar qualquer outro sentimento tomar conta de si. Apenas teve um instinto de autoproteção e tentou recuar. Assustou-se quando percebeu que seu corpo não obedecia aos seus comandos. Estava completamente paralisada.

– Permita que eu me apresente, princesa. – A voz da youkai continuava carregada de sarcasmo e ironia. – Me chamo Haru, sou serva de seu pai. E serei sua serva também.

A youkai se aproximou mais, parando a poucos centímetros de distância da garota. Analisou-a calmamente, antes de voltar a falar:

– Em sua curta estadia por aqui, já deu para perceber o caos que é esse mundo? Os youkais vibrarão com a notícia de que nossa princesa está conosco. Você é a única que pode mudar as vidas de todos nós.

Ainda sem conseguir se mover, Hikari perguntou-se o que fazia aquela criatura a sua frente pensar que ela tivesse qualquer interesse em dar uma vida melhor a youkais. No entanto, no instante seguinte, uma parte irritante de sua mente tratou de lhe dar a resposta: porque ela própria tinha o sangue daqueles seres.

Como num estalo, Hikari viu sua mente ser invadida por imagens desencontradas, que pareciam surgir em flashs. Viu a mulher-youkai que tentou lhes roubar para alimentar o filho; viu a criança youkai que ela matara num orfanato, por estar atacando crianças humanas... E essa última imagem fez com que ela sentisse um aperto de remorso no peito. Assim como quando se lembrou dos outros youkais que tinha matado ou visto morrer. Estranhamente, até a morte daquele que assassinara sua colega de escola lhe trouxe uma sensação de desconforto. Eles eram o seu sangue.

Sou mais humana do que youkai. – Ela pensou, forçando-se a focar sua mente em seres humanos.

As imagens mudaram, mas ainda continuaram a perturbá-la. Ouviu, novamente, aquelas palavras duras que sua mãe dissera a Kuro. Sentiu, mais uma vez, a dor do tapa que ganhara na infância, quando fora flagrada mexendo nas coisas de Giulia. Lembrou-se das vezes em que Sofie se recusou a falar sobre seu pai, e da ocasião em que se esqueceu de seu aniversário. Chegava à conclusão de que apenas passara por tudo isso por ter sangue youkai. Certamente, todas as outras pessoas, quando soubessem de suas origens, também a tratariam mal. Em compensação, ali, naquele mundo, ela era tida como uma princesa. Não significava algo ruim por ser uma mestiça, pelo contrário: era a esperança de muitos para tempos melhores.

Por que estou pensando nisso?

Se pudesse se mover, Hikari balançaria a cabeça para se livrar daquelas imagens. Contudo, sabia que aquilo não seria possível, já que não conseguia sequer piscar os olhos.

Mas... Se não podia, por que estava tudo escuro diante de si? Só então, se deu conta de que estivera com os olhos fechados enquanto aquelas imagens surgiam. Quando tornou a abri-los, surpreendeu-se com a expressão de pavor com a qual Haru a olhava.

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