Dois - Psicose

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Se dormir foi fácil, acordar foi comparável a uma cruel tortura chinesa. Melissa tinha quase absoluta certeza de que em seus sonhos perturbados havia recebido uma carta de Corey. Levantar da cama, portanto, e enfrentar a dura realidade de que ele estava morto, era a última batalha que queria enfrentar em uma manhã fria e chuvosa. Talvez se passasse o dia todo enfiada embaixo de suas cobertas quentinhas, o sonho retornasse, e então teria a chance de aproveitar mais um pouco a sensação de paz que era fingir que ele estava vivo.

Como uma boa psiquiatra, porém, Melissa tinha noção do absurdo a que se resumia sua ideia. Se queria evitar sucumbir em um caos de insanidade mental, alimentar a ideia de que Corey poderia estar vagando por aí deveria ser descartada de imediato. Já dizia Freud que os sonhos podem ser a expressão dos desejos mais desesperados de um ser humano... Um sinal de vida de Corey era só a ponta do iceberg de desejos desesperados de Melissa. Enquanto sua consciência racional lutava para fazê-la entender de uma vez por todas que ele estava morto, aquele maldito sonho acendera uma chama de esperança em seu coração partido. E Melissa sabia que racionalidade era algo que não valia de nada para ela quando se tratava de Corey Sanders.

Mesmo morto, Corey ainda era capaz de causar extrema confusão na cabeça de Melissa, como ninguém era capaz.

Como todos os dias, Melissa obedeceu àquela voz autoritária em sua cabeça que ordenava todas as suas ações. Quando o despertador tocou, a voz a mandou desligá-lo. E então teve que ordenar duas ou três vezes até que tivesse vontade de abrir os olhos em meio à parcial escuridão de seu quarto. Encarou o teto branco e pensou se não era melhor passar o resto da vida ali, daquele modo, como um ser vegetativo sem vida e objetivos. Ter uma vida e objetivos era doloroso demais quando lembrava que ele fora privado disso.

Quando a voz ordenou que ela se levantasse, Melissa respirou fundo e tentou buscar em sua cabeça um motivo que a fizesse continuar... Bastou olhar para o lado. Sobre seu criado-mudo, ao lado do despertador, do abajur e do celular, jazia um envelope branco. Muito parecido com aquele que ela vira em seu sonho perturbado sobre Corey estar vivo. Parecido demais. Talvez idêntico.

Melissa encostou o tronco na cabeceira da cama e lentamente acionou a lâmpada do abajur. Por um longo instante encarou clinicamente o envelope a ela endereçado, como se a qualquer momento ele fosse explodir. Quando se convenceu de que era apenas um simples pedaço de papel, Melissa esticou a mão e o apanhou com delicadeza, com medo de que ele evaporasse no ar. Não aconteceu. O envelope era sólido e carregava o peso de uma pequena carta.

Melissa não hesitou em abrir o envelope e apertar entre seus dedos a folha de papel que ele guardava. Cheirou o papel em seguida, inconscientemente buscando o perfume dele. Foi inútil, o papel cheirava a mofo e poeira. Mas as letras nele desenhadas eram aquelas que ela havia lido em seu sonho. Sonho esse que agora estava próximo demais da realidade. Foi só depois de ler três vezes seguidas o pequeno conteúdo do bilhete que Melissa começou a se convencer de que talvez não fosse um sonho.

Logo nos vemos.

Logos nos vemos.

Logo nos vemos.

As três simples palavras se repetiam em um padrão na mente de Melissa, e com o tempo passaram a carregar o tom sussurrante e rouco da voz de Corey, como se ele mesmo as soprasse em seu ouvido.

Não foi difícil se convencer de que aquele bilhete não tinha nenhum sentido. Era só uma brincadeira de mal gosto de alguém sem qualquer vestígio de senso de humor. Aquela não era o tipo de brincadeira que tinha graça, foi o que Melissa pensou, enquanto enfiava o bilhete de qualquer jeito de volta ao envelope e o jogava em seu criado-mudo.

Lobotomia (Livro II)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora