Vinte e Seis - Cativeiro

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Era dele.

Corey tinha absoluta certeza, agora que tinha se aproximado e pôde desfrutar de uma vista mais detalhada. Apesar de nunca ter estado tão próximo do automóvel em questão no estacionamento do St. Marcus, poderia identificá-lo sem problemas. Conhecia aquele para-choque levemente arranhado do lado direito. Aquele adesivo envelhecido de Medicina de Cambridge no vidro traseiro.

Ah, sim, Corey tinha passado alguns minutos de suas tardes de banho de sol lançando olhares furtivos ao Audi TT Coupé prata pensando em como era exagerado e chamativo em meio aos sedans e SUV's dos demais médicos. Como se ele quisesse deliberadamente chamar toda a atenção assim que descia e ajeitava a gola da camisa que, na verdade, não precisava ser ajeitada.

Agora aquele carro para o qual tantas vezes rolou os olhos estava ali, a alguns passos de distância, parado no estacionamento de Cambridge. Corey parou àquela distância segura e resolveu apenas... Esperar. Sim, ele viria, tinha certeza. E então começou a divagar...

O que aquele carro fazia ali, afinal? Brian não havia sumido. Não, ele estava atrás deles esse tempo todo... De algum modo deve ter encontrado um jeito de rastrear Melissa. O sangue de Corey ferveu quando concluiu isso. Seus punhos cerraram em protesto e ele quis muito quebrar um vidro, danificar a lataria, talvez furar os pneus... Eram tantas possibilidades, talvez devesse considerar todas... Entretanto, não teve tempo de colocar nenhum de seus planos em prática.

Repentinamente, o sinal de anúncio do final das aulas tocou. Um som muito familiar, bastante nostálgico... Corey se pegou apertando o peito enquanto a última nota ainda reverberava em seus ouvidos. Então a multidão de alunos começou a escapar pelas portas dos prédios. E caminhavam todos na direção da saída, na sua direção. Eles o veriam, eles o reconheceriam... Quem não reconheceria um rosto estampado em todos os jornais, no programa sensacionalista mais assistido do Reino Unido?

Quem não reconheceria, em Cambridge, o assassino de Cambridge?

Tinha que sair dali. Rápido. Mas não poderia deixar Brian escapar, não quando estava tão próximo... Queria ver a cara de Melissa quando provasse que tinha algo de errado com aquele médico maldito, nem que fosse o fato de que, de repente, resolvera persegui-la por aí... Corey sucumbiu a uma paralisia confusa por poucos instantes, então decidiu habilidosamente como resolver seu momentâneo problema.

Pegou o celular clandestino no bolso e ligou o dispositivo de rastreamento em caso de roubo enquanto caminhava rapidamente na direção do carro. Com discrição, abaixou ao lado dele e encaixou o aparelho na saia larga do para-choque, torcendo para que ficasse ali até sua próxima parada. Em seguida, levantou com calma, colocou as mãos nos bolsos dos casacos, virou as costas e se infiltrou no meio do mar de alunos como se nada tivesse acontecido.

Está frio, chovendo e o céu sem lua parece mais escuro que o normal. Quase como um sinal me dizendo para recuar, sussurrando que não, não é uma boa ideia. Talvez, de fato, não seja... Mas concluo que já cheguei longe o suficiente para o ato de desistir me tornar uma pessoa covarde. Com isso, não posso viver. Com as consequências de minha recém decidida conduta... Bem, provavelmente.

Abro o guarda-chuva enquanto espanto os últimos resquícios de receio de meu corpo.

Ela merece, afinal...

Com um curto aceno de cabeça, como se precisasse de uma autoconfirmação exterior, saio do prédio e tento não me molhar muito. A chuva parece aumentar à medida que caminho pela calçada. Gela meus ossos. Não há muitas pessoas na rua e agradeço a privacidade inesperada que a chuva e o frio me dão. A ausência de olhos me observando casualmente, mesmo sem saber o que minha mente planeja, de algum modo me ajuda a continuar.

Lobotomia (Livro II)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora