Oito - Exumar

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A voz de Kate anunciou suas palavras hesitantes em alto e bom som, porém aos poucos, enquanto sua história evoluía, foi sumindo aos ouvidos de Melissa. O grande choque não foi Kate contar que, na verdade, Corey estava muito vivo, obrigada, e que ela deveria ter contado antes, mas ainda estava receosa da coragem que havia juntado para levar ao cabo seu plano mirabolante. Se já não soubesse, Melissa talvez estivesse chateada com a amiga. Fingiu certa surpresa, mas Kate não se deixou ser interrompida, matraqueando sem parar, como se justificasse o maior erro de sua vida, quando, ao contrário, havia sido o maior dos acertos. Corey não estaria livre se não fosse por Kate, sua ridícula astúcia e o bom gosto por contos de Sherlock Holmes. Melissa gostaria de agradecê-la, se tivesse a chance, porém, havia um problema maior ali.

Um problema de proporções inimagináveis.

Quando Kate passou do fato de que Corey estava vivo e que ela havia lhe injetado tetrodoxina para a notícia principal, foi como se o céu desabasse sobrea cabeça de Melissa, ao mesmo tempo em que o chão abandonava seus pés. Um tipo transtornado de vertigem roubou de imediato o ar que enchia seus pulmões. Caos, desespero e incredulidade.Nada ao seu redor pareceu fazer sentido, porque nada, de fato, fazia sentido. As palavras de Kate, com certeza, não faziam sentido. Nem poderiam fazer, era absolutamente impossível.

-Melissa, você está aí?

Melissa ouviu a voz de Kate ao longe, como se a tentasse acordar de um desesperado pesadelo. Desejava, profundamente, que fosse um pesadelo, porém a falta de ar que fez sua cabeça girar era bastante real.

-Melissa?! – Kate chamou novamente, e seu tom agudo e preocupado finalmente trouxe Melissa de volta.

-Você tem certeza? – foi o que sua voz rouca conseguiu expressar na tentativa angustiada de sua consciência de provar que não era possível que aquilo estivesse acontecendo.

Não era justo que estivesse acontecendo.

-Não há dúvidas, recebi a notícia em primeira mão do próprio Josh.

-Quando será feita?

-Na terça-feira, às 15h.

Melissa soltou um longo suspiro, voltando a caminhar na direção da avenida principal em busca de um táxi. Ainda estava próxima demais da casa dos Paay e a última coisa que precisava naquele momento era chamar a atenção da desconfiada senhora Paay.

-Você tem razão, temos um grande problema. Um que ninguém previu.

-Eu definitivamente não previ. – Kate resmungou do outro lado. – Como não previa contar para você a verdade tão cedo, então me perdoe o desespero. Estava planejando visitá-la nas minhas férias para fazer isso. Pessoalmente me parece muito mais... decente.

-Bem, você chegaria um pouco atrasada...

Melissa esticou o braço quando um táxi preto passou pela avenida. O carro parou à sua frente, ela entrou no banco de trás e deu a instrução ao taxista, enquanto Kate questionava curiosa do outro lado da linha:

-Como assim chegaria atrasada?! Do que está falando?

-Corey... Ele... – Melissa pigarreou, tomando o cuidado de falar baixo o suficiente a não chamar a atenção do taxista. – Apareceu há alguns dias.

Ela fechou os olhos com força quando terminou de falar, prevendo o escândalo que Kate faria. Não demorou um segundo entre ela processar a informação e o estouro de sua voz sempre tão graciosa gritando do outro lado da linha.

-COMO É?! ELE ENLOUQUECEU DE VEZ?!

Melissa afastou o telefone do ouvido e seu olhar cruzou com o do curioso taxista pelo espelho retrovisor. Ela soltou uma risada sem graça e respondeu:

Lobotomia (Livro II)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora