Nove - Cambridge

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Corey conseguiu se enfiar embaixo de uma marquise antes que a chuva se tornasse um dilúvio. Ficou pensando em Melissa, a consciência pesada, e torcendo para que ela já tivesse conseguido chegar ao prédio do Clare College, segura e o mais seca possível. Não gostava da ideia de vê-la cuidando daquele assunto sozinha, porém gostava menos da ideia de que estava ultrapassando o limite da paranoia. Por todos os lados, quando colocava os infelizes pés na rua, tinha a insistente impressão de que alguém o seguia, e preferia ter de lidar com isso sozinho, o mais longe de Melissa possível. Não queria que ela se preocupasse com mais esse distúrbio em sua mente estragada. Além do mais, o boné não disfarçava o suficiente sua aparência para não ser reconhecido por algum funcionário mais atento de Cambridge. E Corey sabia que havia muitos deles por ali.

Algumas gotas de chuva gélida batiam contra seu casaco, e Corey apertou os braços em volta de seu torço. Fechou os olhos por alguns instantes, na intenção de apagar a impressão de que uma sombra negra lhe observava a uns vinte metros de distância, à sua direita. Sentia os olhos clínicos de íris vermelhas queimando sua pele e o arrepio macabro ao qual já estava acostumado lhe assolou. Preferiu pensar que era em razão do vento frio que acompanhava a chuva. O mantra "é só um produto da sua imaginação" que passou a repetir para si mesmo quando aquela coisa apareceu pela primeira vez, já não se mostrava mais tão efetivo quanto antes. Agora apenas a visão dos olhos de brisa calma de Melissa detinha tal necessária habilidade.

Pensar em Melissa lhe fez continuar em mais momentos do que gostaria de admitir após a fuga do St. Marcus Institute. Seu remédio, sua âncora para mantê-lo fixo na sanidade, como gostava de repetir para si mesmo. O que só reforçava sua ridícula dependência dela. Não foi por outro motivo que decidiu abandonar a segurança de seu esconderijo na Escócia. Um misto de saudade e paranoia crescentes que lhe corroíam por dentro a cada dia mais. Corey se conteve por algum tempo, dois meses ou três, não sabia dizer, havia perdido a noção do tempo. Mas certa manhã, após um longo, perturbado e confuso sonho que envolvia Melissa e certa dose de sofrimento, Corey resolveu quebrar o silêncio a respeito e perguntou à irmã se tinha notícias dela. "Há dois dias Kate me disse que ela deixou o St. Marcus Institute", foi a resposta que recebeu, e não conteve a curiosidade de saber tudo o que poderia sobre ela. A notícia de que Melissa estava se mudando para Londres e deixando o emprego no St. Marcus lhe deixou aliviado e preocupado ao mesmo tempo. Aliviado, e de um modo bastante egoísta, apenas porque ela estaria bem longe de Brian Peters de uma vez por todas. Preocupado porque não sabia quais intenções guardavam a cabeça de Melissa, e apenas esperava que ela não se metesse em mais encrencas do que já havia se metido por ele. Corey não achava valer tanto a pena, especialmente se envolvesse a segurança e a liberdade dela.

Chegou a uma espécie de impasse então, dado o fato de que não queria deixá-la sozinha mais, na ilusão de que ele estava morto e enterrado naquele cemitério de Londres. Queria, pois, estar ao lado dela, apoiando qualquer que fosse a sua decisão dali para frente. Por outro lado, sabia que a colocaria em risco se aproximando. E não deveria ser ridiculamente egoísta a esse ponto. Havia mais um porém em meio a tantos: Corey nutria e cultivava a cada dia seu ódio por Danny Langdon, o doce amargo da traição queimando sua boca e embrulhando seu estômago, a necessidade crescente e doentia de vingança. Chegou à conclusão de que não mais poderia ficar ali. Precisava fazer algo, procurar Melissa, procurar Danny Langdon e fazê-lo confessar seu crime, qualquer coisa, qualquer coisa, qualquer coisa... A sensação de inutilidade que vinha sorrateira lhe atazanar todos os dias gritava em seus ouvidos naquele momento. Corey chegou ao limite.

Na manhã seguinte estava decidido a ir embora daquele fim do mundo gélido da Escócia. Esperou Carolyne ir embora, arrumou suas coisas, deixou um bilhete explicando seus motivos, caso ela aparecesse e ele não pudesse impedir a visita;por fim, guardou com cuidado no bolso o dinheiro reserva que lhe havia sido deixado e o celular descartável que a irmã havia lhe dado, o mais seguro meio de se comunicar com ela, extremamente útil quando achasse seguro pescar informações sobre Melissa. Esperava receber alguma útil, já que só sabia a cidade em que estava. Por óbvio, não havia a mínima condição de procura-la em Londres sem qualquer pista. Então Corey apenas saiu, sem rumo certo, somente decidido a chegar ao sul do Reino Unido, ao seu país, à sua cidade natal. Teria tempo o suficiente no caminho para elaborar estratégias a fim de encontrar Danny Langdon. Antes disso, contudo, precisava de Melissa... Apenas vê-la, talvez sentir seu perfume à distância, então acreditaria que seu coração estaria em paz e que poderia seguir em frente com seus planos por um tempo. A saciedade temporária para seu vício, um alento em meio à cruel tormenta.

Lobotomia (Livro II)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora