Onze - Reencontro Inesperado

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Corey se sentiu um completo estranho quando deu conta da cena que protagonizava na organizada e moderna cozinha de Melissa. Seu reflexo no vidro da janela que ficava sobre a pia foi o choque que lhe acordou para aquela nova e absurda realidade. Uma realidade nova e absurda que não tinha vergonha de dizer que apreciava. O estranho parecia um cara legal, afinal, cozinhando (anos antes a ideia lhe pareceria insana demais para sequer ser cogitada) macarrão a bolonhesa (com a ajuda do maravilhoso Google) para sua... Namorada, amante, companheira, o que quer que Melissa se encaixasse naquela atual situação. Rotular parecia transformar aquela relação profunda em algo mundano demais, fadado ao fim como qualquer relacionamento amoroso do século XXI. Corey rechaçava veementemente tal possibilidade, notando o medo que tornava seu coração apertado apenas por cogitá-la.

Era verdadeiro demais para ter um fim.

Um tipo especial, raro e único de cumplicidade que só duas pessoas como Corey e Melissa poderiam compartilhar.

Afinal de contas, havia segredos demais em jogo. Segredos sujos e profundos. Do tipo que não se compartilha com qualquer um por aí enquanto toma o chá das cinco.

Perdido na análise do céu escuro que Londres lhe projetava, Corey mal percebeu quando sua mente divagou na direção do tempo em que esteve longe dela, de Melissa.

Brixton parecia ter um céu mais cinzento que o do restante de Londres, como se a mãe natureza soubesse que você não andaria por aqueles lados, a não ser que quisesse arranjar confusão. Corey não queria arranjar confusão, mas sabia que sua existência por si só já era uma tremenda confusão. Não havia melhor lugar para se encaixar naquela cidade, ao menos enquanto ainda aparecesse periodicamente nos programas de investigação criminal do Discovery Channel e a notícia de sua morte ainda estivesse fresca na mente dos britânicos pouco acostumados a se chocar com crimes da alta sociedade. Cometido por um cara bonito contra uma garota mais bonita ainda. Totalmente fora dos padrões, era um prato cheio para qualquer canal de televisão querendo chocar.

Corey havia alugado um quarto pouco confiável em uma pensão pouco confiável. A verdade era que, naquela vizinhança em especial, nada parecia digno de confiança de quem quer que fosse, inclusive das pessoas que a tornavam carente de tal qualidade. Corey jamais imaginou antes, do alto de sua mansão em Chelsea, que seria obrigado a rondar por aquelas redondezas como se, de fato, pertencesse ao local. Sua jaqueta de couro em pleno verão e o boné sempre cobrindo os olhos não o destoava nem um pouco de toda aquela atmosfera temerária.

E era bom que continuasse assim.

Seus vizinhos de quarto não faziam questão de gastar mais do que dois segundos em uma análise pouco interessada de seu rosto. Também não faziam questão de cumprimentá-lo, o que parecia ser uma benção. Não estava disposto a começar novas amizades. Especialmente ali.

No primeiro dia, sentado em sua mais nova cama de colchão puído que lhe fazia ter saudades dos tempos de cela no St. Marcus Institute, Corey decidiu ligar para a irmã. Sabia que ela não teria deixado Londres naquela semana para visitá-lo na Escócia, havia algo de importante na faculdade de Direito da Universidade de Londres que não podia ser adiado. E Corey bem sabia que estaria seguro nesse aspecto durante um tempo. Carolyne também não queria chamar a atenção para qualquer movimento, embora jurasse que não havia ninguém da Scotland Yard lhe seguindo, e viajar periodicamente para um lugar remoto da Escócia certamente chamaria a atenção das pessoas erradas. Embora, a princípio, não houvesse motivo para isso. Corey estava tão ou mais paranoico do que Carolyne, isso era fato. Porque, afinal de contas, não era exatamente fácil ser um suposto assassino odiado nacionalmente morto em circunstâncias duvidosas.

Lobotomia (Livro II)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora