Seis - Foragido

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Melissa estava adormecida sobre o braço esquerdo de Corey, os cabelos lisos se espalhando como um leque pelo travesseiro. Estava virada para ele. Seus olhos estavam fechados e a expressão era de pura serenidade em sua face adormecida. O peito descia e subia na velocidade da calma respiração de um descanso que parecia ser bem aproveitado. Ela era linda e Corey não sabia como lidar com isso. Sentiu a absurda e clichê necessidade de observá-la dormir até que acordasse, e então sorrir quando o azul escuro de seus olhos brilhasse em sua direção, e depositar um beijo em seus lábios vermelhos que estariam retribuindo seu sorriso. Corey também se deu conta de que estava perdido, porque além de agir como um romântico incurável naquele momento, estava imaginando um momento romântico incurável posterior. E, por fim, se deu conta de que não se importava, porque Melissa simplesmente... Valia a pena.

Corey sorriu sem perceber, sem entender a razão, e descobriu que não sentia necessidade de se censurar por isso. Ao contrário de um passado agora longínquo, tão distante que quase não pareceu real, não precisava esconder de si mesmo o que sentia por uma garota. Algo muito maduro, pensou, ao se lembrar do quanto sua irmã cobrava isso dele antes. Carolyne costumava reclamar da imaturidade de Corey e dar-lhe lições de moral toda vez que lhe via aos beijos com uma garota que não era Barber. Deixe-a, Corey, era o que Carolyne dizia, você a está fazendo sofrer.

Como se fosse a coisa mais simples do mundo. Corey não podia. E não queria. E nem ao menos, àquela época, sabia a razão... Mais tarde, já na sua cela solitária no St. Marcus, chegou à conclusão de que gostava demais de Barber para ver outro homem fazendo com ela o que ele estava fazendo. Então ele mesmo se encarregava de partir o coração dela em milhares de pedacinhos, para não ter que lidar com um idiota qualquer e partir o nariz dele em milhares de pedacinhos. Um ideal distorcido e perturbador, concluiu por fim. E talvez, nessa época, tenha entendido que talvez sua cabeça não fosse tão saudável quanto achava que era, e que talvez estivesse no lugar certo... Embora não o psicopata que diziam ser, mas havia algo de doentio se retorcendo em sua mente. Algo que ficava sob controle quando Melissa estava por perto, por isso tão dependente dela, por isso tão... Apaixonado por ela.

Corey sentiu o peito mais leve do que em muito tempo... Anos, com certeza. Havia chegado ao lugar em que mais desejava desde a fuga do St. Marcus. Ao lado dela.Então respirou fundo, fechou os olhos, e se aproximou do rosto de Melissa, aspirando a doçura de seu cheiro. Quando abriu os olhos em seguida, encontrou o nariz dela muito próximo ao seu. Podia contar as sardinhas que o transformava na parte mais adorável de seu rosto. Não se sentia digno de tecer comentários a respeito dos olhos, porque eles tinham o irritante, porém excitante, costume de tirá-lo dos trilhos. Arrebatadores, era a palavra lhe vinha à cabeça para descrever os olhos dela.

E ali, perdendo-se na perfeição dos traços de Melissa, os seis meses em que esteve separado dela lhe vieram à mente... Porque mesmo ali, ao lado dela, ainda sentia que estava distante. Percebeu que sentia falta dos 180 dias que poderia ter estado ao lado dela, mas não esteve. E tudo, desde o desesperador primeiro minuto em que abriu os olhos e percebeu que estava coberto por um lençol branco em um necrotério, veio à tona. Lembrou-se do desespero que sentiu, da falta de ar que fez seu peito queimar, da dor que parecia retorcer seus músculos e seus órgãos. E então o rosto sorridente de sua irmã quando finalmente conseguiu se livrar do lençol branco que cobria seu corpo. E o alívio. A sensação de que haviam retirado um elefante de suas costas. De que o mundo todo parecia mais claro, de que podia ver melhor, respirar melhor, sentir o aroma de morte e clorofórmio que infestava tudo ao seu redor... Lembrava-se da expressão de alívio no rosto de Carolyne quando sorriu pela primeira vez, e da ternura do abraço apertado que ela lhe deu logo em seguida. E de ter rido quando ela lhe disse que tinha medo que pudesse ter ficado com algum efeito colateral do veneno. Tudo estava bem, embora doesse como os infernos.

Lobotomia (Livro II)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora