Vinte e Um - Luto

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Marteladas incessantes no crânio, um latejar insuportável no cérebro, no âmago, na alma...

Foi o que acordou Melissa pela terceira vez em três dias. Abrir os olhos era uma tortura chinesa, ela não queria. Sua vontade era dormir até que todo aquele tormento em sua mente finalmente tivesse um fim, ou até que entendesse o que estava se passando com ela... Toda aquela inconstância, todos aqueles sintomas de bipolaridade, toda aquela... Memória perdida.

Estava lutando para não entrar em desespero, lutando para não deixar transparecer para Corey que alguma coisa estava errada e que ela, como uma psiquiatra que era, não tinha a mínima ideia do que poderia ser. Não queria buscar uma resposta, em verdade, queria que apenas tivesse um fim. Que sua cabeça voltasse ao normal, que sua vida voltasse ao normal... Dormir até tudo passar, a melhor das possibilidades que sua covardia lhe apresentava. Uma voz insistente em sua cabeça, porém, lhe obrigou a abrir os olhos. A claridade foi cruel, e quando foi capaz de enxergar com clareza, a cena que encontrou lhe obrigou a acordar de vez.

Corey estava sentado na ponta da cama, as mãos apertando os lençóis com força entre os dedos. Sua respiração era tão forte que poderia ter acordado Melissa a qualquer instante. Talvez fosse, de fato, o motivo de ela acordar tão... Assustada.

-Corey? – chamou.

Ele pareceu não ouvi-la, pois não moveu um músculo que desse a entender que sim. Continuou como estava, estático, peito subindo e descendo com força, dedos maltratando os lençóis, como se eles fossem os culpados pelo que lhe atormentava. Melissa então ficou de joelhos na cama e se aproximou com cuidado. Ainda cautelosa, tocou os ombros tensos dele. Corey continuou como estava. Então ela notou o que atraía sua atenção. A televisão ligada, o volume bem baixo. Não era preciso ouvi-la para saber o que estava acontecendo ali.

Uma foto da irmã de Corey sorridente de um lado da tela, uma reprodução ridícula e mórbida da cena de crime de Barber Paay do outro lado.

Melissa levantou da cama e ainda com calma foi até a televisão e aumentou o volume. Corey só a notou então, desviando os olhos por um segundo da tela para fixá-los nela, um tanto perdidos, como se quisessem algum tipo de guia para onde ir. Naquele instante, ela não sabia para onde guiá-lo, também queria entender o que estava acontecendo. E agradeceu quando ele voltou sua atenção à tela outra vez.

"... filha de um dos sócios da maior construtora do Reino Unido, a Sanders&Paay, irmã do notório assassino Corey Sanders, dado como morto em outubro passado no St. Marcus Institute, onde cumpria pena e recebia tratamento psiquiátrico. A polícia ainda investiga se há alguma ligação entre esse crime e o cometido por Corey Sanders há quatro anos, no campus de Cambridge, quando foi encontrada nas mesmas circunstâncias sua namorada de infância, Barber Paay. Os oficiais da Scotland Yard responsáveis pelo caso disseram ainda que a probabilidade de se tratar de uma série de assassinatos é mínima, dado o fato de que Corey Sanders está, como dito anteriormente, morto. Amigos e familiares já prestaram depoimento e a Scotland Yard ainda não informou quais serão os rumos das investigações. Carolyne Anne Sanders tinha 22 anos, estudava Direito na Universidade de Londres e será enterrada amanhã no cemitério Abney Park, em Londres."

Quando a reportagem terminou, ainda que a televisão continuasse ligada, um silêncio mortal pareceu se instalar no quarto. Como se o mundo do lado de fora daquelas quatro paredes tivesse parado. Melissa tinha certeza de que o mundo de Corey havia parado de girar. Sabia do amor e carinho que nutria pela irmã, sabia da importância dela na vida dele, sabia o quanto ela significava... Seu coração sangrava por ele, por sua dor... E por ela.

Lobotomia (Livro II)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora