12 - como vim ao mundo

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Voltei estressada da casa do Adam. É difícil tentar ajudar quem não quer ajuda. Isso me fez lembrar o quão teimoso ele costumava a ser, sempre fazendo drama e pedindo para mim ou pra Laura só colocar o nome dele no trabalho, sem ter feito nadinha. Assim que entrei no quarto me joguei na cama, desejando que a semana acabasse logo, e acabei dormindo pouco depois, deixando tudo ficar mais normal como sempre.

Nada de diferente aconteceu no trabalho, em casa nem sinal do meu pai até a noite, aproveitei para colocar minha playlist favorita e fazer uma faxina. Separei algumas roupas que já não usava para doar, joguei fora algumas coisas do colégio como provas e trabalhos. Arrumei meus livros e tirei o pó dos meus discos preferidos que ficavam na prateleira. Minha mãe adorava eles, era algo mais antigo que ela tinha, e nós sempre ouvíamos quando ainda tínhamos o toca-discos. Era difícil encontrar alguém que arrumasse um quebrado já que vinil não era mais usado. Eu fiquei um pouco tristinha ao lembrar disso, eram muitas memorias boas com ela, e eu sentia uma dor enorme de saber que não haveria mais nenhuma nova.

No sábado à noite as coisas resolveram dar uma piorada. Meu pai apareceu com um amigo, e como eu não queria olhar na cara de nenhum eu me tranquei no quarto antes que ele me visse em casa. Eu considerei tudo que poderia dar errado se ele me visse, e levar uma surra de graça era uma delas. Eles ficam muito agressivos quando se drogam.

Passei a noite toda trancada, ouvindo eles falando alto, totalmente alterados, mal consegui dormir. No outro dia, sai pela janela para a lanchonete, cheguei faminta.

- Quando foi a última vez que comeu? - Helena perguntou ao me ver devorando um cupcake, provavelmente toda lambuzada de chantilly rosa.

- Não lembro, meu pai apareceu em casa, então não consegui pegar nada na cozinha.

- Ah, seu pai! Ele tinha que tomar jeito nessa vida. Sua mãe iria querer que ele fosse como antes para cuidar de você.

- Meu pai? Cuidar de mim, Helena? Ele não cuida nem dele. - Eu sei que Helena falava isso para o meu bem, mas eu não me importava, com ele, mal me lembrava dele sóbrio. Eu lembrava mais da Helena cuidando de mim quando éramos vizinhas do que meu próprio pai. Peguei um sanduiche depois de terminar o doce - não preciso dele. Tenho você - a olhei com carinho.

- Tem razão - ela me abraçou por trás e deu um beijo em minha bochecha - dá uma arrumada na cozinha depois que terminar de comer?

- Claro, desconta do meu salário depois o que eu comi – gritei enquanto ela saia, a ouvi rindo, sabia que ela não descontaria. Ela também até insistiu para eu levar um lanche depois do meu turno caso meu pai ainda estivesse em casa. E assim o fiz.

Ao chegar e notar o barulho entrei novamente pela janela e fiquei o resto do dia no quarto, implorando para que meu pai fosse embora logo dali, ou pelo menos seu amigo.

Domingo de manhã a casa estava vazia novamente, limpei a bagunça que ficou e coloquei algumas tarefas em dia. Estava monótono, mas calmo. Eu me sentia ansiosa por ter de ir à escola novamente no outro dia, mas tentei me acalmar o máximo que podia. Com remédio e respiração. Afinal, nada poderia piorar minha situação vergonhosa, ou poderia?

°°°°°°°

Acordei com o despertador tocando. Tive uma noite até que boa de sono, sem sonhos nem pesadelos. Fui o caminho toda para escola já me concentrando em não surtar. Eu sabia que a esse ponto a escola inteira já devia ter visto o vídeo, não tinha como escapar. A cada passo que eu dava, era uma longa respiração. Eu só tinha que manter a calma e não piorar tudo com um surto de ansiedade.

Ao chegar notei alguns olhares de lado, e tive a impressão que muitos falavam de mim aos sussurros. "Não surta" – continuei falando pra mim mesma.

Continuei caminhando até a sala de aula ignorando os olhares. Nunca ninguém olhava para mim, era estranho. Dei oi para minha parceira de física, mas senti que havia pena em sua voz, assim como na de todos que falavam comigo ultimamente. Tentei ignorar isso. Segui com as aulas normalmente, e foi tudo normal exceto a obsessão em me olhar, com do ou com um sorriso maldoso no rosto.

A penúltima aula era educação física, eu não costumava fazer muita coisa, jogava vôlei as vezes, ou futebol, ou ficava no banco com alguma desculpa que não estava bem. Nessa aula eu resolvi jogar vôlei a pedido da professora. Eu joguei bem, tirando a bolada na cara que levei, vi Bianca rindo com mais alguém nessa hora, mas ignorei por que isso já era habito dela. Quando a aula acabou fomos tomar uma ducha no vestiário, separei minha roupa que estava no armário e minha toalha como sempre, deixei no gancho perto do box e tirei o uniforme de educação física.

Eu fui uma das últimas a entrar já que estava pondo gelo na cabeça. O box estava mais silencioso que o normal, mas estranhei ao ouvir passos apressados. Ao tentar alcançar minhas roupas e a toalha, notei que elas não estavam ali. Mas era um vestiário feminino, pensei, quem nunca se viu pelada, né? Então, sai timidamente do box procurando minha toalha no chão ou em outro lugar caso alguém tivesse pego por engano, mas a única coisa que encontrei foi o vestiário vazio. Tudo estava silencioso. Fui até meu armário, mas não havia nada lá, nem outra roupa reserva. Como eu ia sair dali sem roupas? E ainda havia outra aula, e eu tinha que ir pra casa, passar pela rua, sair da escola...

- hahahaa - ouvi risadas. Ao me virar vi Bianca com mais duas garotas segurando minhas coisas, e ela com o celular, provavelmente tirando fotos. Rapidamente tentei me cobrir com as mãos e o braço, mas não adiantou muita coisa. - Que patética!

- Me devolve! - Falei

- Por que eu devolveria?

- Por que a roupa é minha? - Fui irônica, mas continha desespero em minha voz. Estava com medo do que poderia acontecer. Afinal, por que ela estava fazendo isso?

- Mas eu não quero te dar. Olha para você! - E suas amigas riram.

- Tira mais fotos da cara dela – uma das meninas disse rindo

- O que você quer Bianca? -Falei recuando cada vez mais para trás, numa tentativa falha de me esconder, com o olho meio borrado e a voz já embargada.

- Já consegui o que queria - Bianca balançou seu celular. Suas companheiras jogaram minhas roupas no chão e saíram rindo.

Corri até lá e me vesti rapidamente com a garganta doendo tentando segurar o choro, as roupas estavam meio úmidas e geladas devido ao chão molhado. Tentei ao máximo não desabar, mas não consegui. As lagrimas vieram. Fiquei sentada em um dos bancos do vestiário, abraçando a toalha para tentar abafar o choro. Minha respiração travava, sentia como se a qualquer minuto o ar fosse acabar. A garganta fechava tanto que ardia, assim como meus olhos. Não conseguia parar de imaginar o que mais aconteceria depois que todos vissem essas fotos. Já não bastava o vídeo? Agora tinha fotos minhas como eu vim ao mundo, sem nada. Fiquei a próxima aula toda ali, em caos. Por que tirar fotos minhas? Eu me perguntava. E por que pelada? O que Bianca ganhava com isso?

Se as fotos vazassem, o que eu ia fazer? Faltar o resto do ano? Ser lembrada como chacota? Denunciar a alguém não ia adiantar. Não havia provas de que fora Bianca. Até por que ela era querida por todos, ninguém acreditaria na minha palavra contra ela.

Assim que o sinal bateu corri para fora, deixei minha bolsa no armário e nem peguei, apena corri. Quando notei já estava na lanchonete.

Helena me viu com os olhos vermelhos, aindachorando e ficou assustada, e eu apenas a abracei.

Lembranças Perdidas De Uma Garota QualquerOnde histórias criam vida. Descubra agora