6 - Anonimamente surtando

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O fim de semana tinha acabado e como dizem as blogueiras fitness, bora pra mais um dia de luta. Eu dormi tão bem aquela noite que acabei perdendo a hora. Tomei um banho gelado para despertar, escovei os dentes ainda enrolada na toalha e fui até meu quarto me vestir. Para minha surpresa e infelicidade, assim que fechei a porta do quarto ouvi outra batendo. Escutei a voz do meu pai e de outro homem vindo da sala. Eu não estava nem um pouco afim de passar por eles, então rapidamente pensei que poderia sair pela janela. Vesti a primeira roupa que encontrei depois de passar a chave na porta e guardá-la na bolsa para conseguir entrar depois, guardei meu caderno na mochila e pulei para o lado de fora. Corri sem fazer barulho até o portão e continuei com o ritmo até me afastar de casa. Pelo celular notei que estava cinco minutos atrasada e até chegar a escola não seria a tempo da primeira aula, então acalmei meus passos.

Assim que cheguei fui até meu armário esvaziar minha mochila e pegar o livro da segunda aula. O caminho do corredor nunca foi tão longo e vazio. Estava me perguntando o motivo que fez meu pai ficar tantos dias em casa e voltar tantas vezes. Ele costumava sumir por semanas, ficar tanto tempo não era do seu feitio. Ter sua presença, e a de seus amigos nojentos para piorar, me preocupava. Não poderia continuar passando noites no Fernando para sempre.

Enquanto pensava em como resolveria isso, meu celular apitou com um SMS. O número era desconhecido e havia uma mídia anexada junto com a frase "quero seu corpinho de novo". Senti um calafrio em minha espinha. Quando dei play no vídeo meu mundo desabou. Fechei a porta do armário e encostei minha cabeça no metal gelado. Aquilo não podia ser real. Não tinha como!

Quem gravou aquilo, a sensação que eu senti depois da festa, a marca no meu pescoço. Fazia sentido, mas agora eu preferia que não fizesse. Quem quer que tenha me enviado isso, era quem estava no quarto naquela noite. Eu quis vomitar quando vi ele passando a mão em mim no vídeo, e eu senti tudo de novo. A mídia tinha menos de 1 minuto, mas não dava para saber se havia mais no original. Eu me joguei de joelhos no chão enquanto chorava de desespero. Como eu deixei que isso acontecesse? Era o que me perguntava. Eu não conseguia me mexer. Éramos eu e o chão frio acompanhados de lagrimas e dor.

Minha cabeça já estava a mil. O que eu ia fazer? Tinha alguma coisa que eu podia fazer? Minhas mãos iam da minha cabeça ao meu cabelo com a mesma força que socava minha coxa. Eu queria gritar e estava me contendo ao máximo para não o fazer. Senti a palma da minha mão sangrar quando cerrei os punhos, e sabia que provavelmente minha nuca e meu rosto pudessem estar sujos de sangue agora.

Com alguma força dentro de mim fui até o banheiro, por sorte quase ao lado. Mesmo não tendo nada no estomago eu vomitei tudo o que eu podia. Minhas mãos tremiam sob a porcelana do vaso, e eu desabei em soluços de tanto chorar. Alguma parte de mim sabia que eu precisava me recompor, mas deixar o surto acontecer era tão mais fácil, por mais doloroso que fosse. Se eu estivesse em casa, provavelmente tudo estaria no chão, o espelho estaria quebrado e os cacos em minha mão.

Por sorte lembrei que tinha alguns calmantes em minha bolsa, e de novo, minha pequena parte sã não me permitiu tomar todos de uma vez. O vídeo já era constrangedor o suficiente, não precisava do vexame de ser encontrada desmaiada no banheiro da escola.

Engoli o comprimido com água da pia mesmo, e lavei o pouco sangue da palma da minha mão. Limpei meu rosto e me esforcei como nunca para respirar. A vontade de sair da escola era grande, mas eu já havia saído no dia da piscina, não podia me dar esse luxo novamente. Afinal, eu não era assim.

A segunda aula já devia estar para começar, sempre se passava muito mais tempo do que eu achava nesses momentos. Quando estava na porta do banheiro ouvi um armário batendo. Adam estava num ataque de ódio socando os armários a sua frente.

- Droga de colégio. Inferno – vociferou antes de notar minha presença - ta com essa cara por que? Não é você que ta tendo um dia de merda!

Aquilo foi o auge pra mim.

- Você é idiota? Nem tudo é sobre você! Vai a merda com essa sua ironia que só você acha engraçada - sai às pressas esbarrando em seu ombro propositalmente, indo em direção a sala de aula. Eu odiava quando ele fazia tudo ser sobre si mesmo, desde a coisa mais idiota que acontecia na aula, ou nos jogos, ou até mesmo quando ele aparecia na lanchonete e eu o ouvia reclamar de coisas estupidas. Ele precisava saber que existe problemas muito maiores fora daquele mundinho imbecil e fútil.

Passei as aulas todas, metade aborrecida, metade dopada de sono por efeito do calmante. A folga dos meus problemas durou muito pouco, estava implorando por misericórdia para qualquer deus que existisse. No trabalho, tomei várias xicaras de café para ficar desperta, Helena já me vira acordada na base da cafeína tantas vezes que até estava acostumada. Confesso que grande parte do tempo eu estava em piloto automático e minha alma no sétimo sono.

Quando fui atender mais uma das mesas notei ser o velho grupinho de Adam para alegrar meu belo dia. Me aproximei com caneta em mãos para retirar os pedidos, mas não fui notada tão cedo, o que me trouxe informações muito valiosas.

- Mas o diretor te suspendeu do time só porque ta sem nota em DUAS matérias? Que cuzão! – Um dos seus amigos disse, o que claramente explicava os murros de Adam nos armários.

- Mas e agora? – Lucas perguntou a ele, preocupado

Tossi uma vez para chamar atenção, mas a tentativa foi falha.

- Não sei como vou conseguir, sou péssimo nessas matérias – aparentemente, agora, estava mais chateado que furioso

Eu pigarreei tentando chamar a atenção novamente, e todos olharam para mim, alguns surpresos, outros como se eu estivesse atrapalhando. – O que vão querer? – Perguntei quebrando o clima

- Um milk-shake de baunilha com um bocado de inteligência por favor – Adam ironizou com uma expressão derrotada

- Não temos esse sabor ainda.

- Então só de baunilha mesmo – senti um pouco de deboche em sua voz. Aparentemente ele não gostou da minha resposta e não havia superado o que aconteceu no corredor. Mas eu tinha uma ideia. Algo para ajudar nós dois.

Depois de preparar todos os pedidos, os entreguei e deixei um papel em baixo da taça de milk-shake de Adam. Ele me olhou com cara de "que merda é essa" e eu apenas respondi que era uma solução para seu problema, de forma que ninguém mais da mesa ouvisse, e eu não passasse uma humilhação dos seus amigos babacas.

Se ele aceitasse minha ideia, as coisas poderiam mudar, finalmente, mesmo que só um milésimo.

Lembranças Perdidas De Uma Garota QualquerHikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin