30 - Quem é vivo sempre aparece

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Depois da estranha sensação do beijo com adam eu andava evitando pensar nele. Afinal, o que poderia ser aquilo senão uma confusão, somente? Eu não gostava de Adam assim, éramos só grandes amigos. Então eu não tinha com o que me preocupar.

Ter ido a delegacia não foi nada fácil. Recontar aquela história me trazia um enjoo forte, e uma sensação estranha nas minhas entranhas. Era horrível ter que relembrar tudo outra vez, mas eu me forcei a fazer depois que Adam e Lucas haviam me convencido no refeitório, dizendo que assim ele poderia pagar pelo que havia feito. A policial foi muito acolhedora conosco, e considerou tudo o que falávamos. O depoimento de Lucas foi essencial já que ele havia visto tudo. Como Matheus era menor de idade com certeza iria para o reformatório.

Depois da delegacia fui a lanchonete e sai mais cedo que Helena, que quis fechar o caixa para fazer as contas. Me despedi dela e de Fernando e fui andando até em casa. Eu tomaria um belo banho e prepararia algo para comer quando Helena chegasse. Enquanto eu andava na rua escura, iluminada pelas luzes de algumas janelas e pela luz do poste, eu pensava em como tudo estava indo tão bem agora. Por mais que eu sentisse falta da minha mãe, agora eu sabia lidar com esse sentimento. Eu não tinha mais tanto medo de ficar sozinha, até porque eu não estava. Ter me afastado das pessoas que eu amava foi a pior escolha da minha vida, e eu estava feliz por ter concertado tudo.

A noite estava tranquila e a rua deserta. Quando me distrai guardando meu celular na bolsa senti mãos fortes me agarrarem pelos meus braços e me puxarem para trás de um muro escuro. Senti suas mãos cobrirem minha boca com um pano com cheiro forte, e logo em seguida me senti apagar

°°°°°°°

Abri meus olhos devagar, enquanto a luz forte incendiava meus olhos.

Eu fiquei desacordada todo esse tempo? Era o que pensava.

Ao prestar mais atenção onde estava, senti minhas mãos amarradas fortemente atrás de uma cadeira, na qual estava sentada. Meus pés também estavam amarrados ao pé da cadeira, e em minha boca havia um pano me impedindo de pronunciar qualquer coisa. Eu não fazia ideia do que estava acontecendo, mas eu sabia que estava completa e totalmente ferrada.

Olhei em volta, o lugar estava todo empoeirado com algumas caixas de papelão. A janela era tão pequena que não caberia nem minha cabeça caso tentasse fugir por ali. Havia um pequeno armário de madeira velho ao canto com uma camada espessa branca de poeira e um comprido espelho ao lado. Também havia uma pequena escada mais atrás, mas provavelmente a saída estaria trancada. E eu estava amarrada, teria que pensar em como cortar aquelas cordas antes de tudo.

Em uma tentativa desesperada comecei a gritar, o que não adiantava muito já que o pano abafava minha voz. Eu morreria ali, naquele lugar escuro e ninguém saberia. Eu sentia minha cabeça girar de tantos pensamentos ruins que perpassavam por ela, minha pele parecia querer sair do corpo, e meu estomago embrulhava. Eu estava surtando, mas mesmo assim tentei me manter firme em pensamentos positivos de que alguém perceberia que eu sumi. Nunca fora tão essencial me manter calma e pensar.

Ouvi um pequeno estrondo acompanhado de passos pesados que chegavam cada vez mais perto. Fechei os olhos com força esperando pelo pior. Meu corpo tremia pelo medo do que poderia acontecer a seguir. Senti o toque de sua mão calejada tocar meu rosto, fazendo-me encara-lo, porem só consegui fechar ainda mais meus olhos, deixando cair uma pequena lágrima. Suas mãos fizeram mais pressão em minha face até que por fim, forcei a olha-lo.

Eu juro que naquele momento, por um milésimo de segundo, meu coração parou de bater. Eu morri por uma minúscula fração de segundo. Tudo voltou à tona quando encarei aqueles olhos escuros, e eu não pude impedir que mais algumas lágrimas caíssem.

O cabelo preto agora estava mais comprido, as suas tatuagens escuras ainda as mesmas. Eu nunca esqueceria aqueles desenhos. Sua barba já estava quase branca, e ele continuava tão grande quanto a 1 ano atrás. A mesma pessoa que matou minha mãe estava em minha frente, pronto para fazer o mesmo comigo.

Era isso. Isac estava de volta. E eu, eu estava morta antes de sequer estar de fato.

- Não - Tentei falar em um sussurro abafado quando ele soltou meu rosto bruscamente

- Saudades de mim? - Perguntou virando-se de costas

Eu não conseguia pronunciar nenhuma palavra nem se pudesse. Todo e qualquer movimento que meu corpo tinha se perdeu quando aqueles olhos cheios de ódio me encararam. Ele caminhou de volta para onde estava, ficando em minha frente, mas agora junto de uma cadeira e uma pequena faca na mão.

- Sabe, eu fiquei muito tempo escondido aqui e ali, por sua causa - apontou para mim com a faca, me encarando a todo momento - não foi nada legal. Fugir da polícia todo esse tempo foi mais difícil do que eu pensava.

Ficou brincando com a faca na cadeira ainda com os olhos em mim. Sua expressão era amedrontadora. Eu sentia meus órgãos querendo pular pra fora, e minha respiração tão descontrolada como minha mente.

- Mas valeu a pena todo esforço, até porque o prêmio é muito bom - falou malicioso encostando a faca em meu baço e a arrastando levemente, fazendo um pequeno corte superficial. - Você se parece muito com ela. Digo, sua mãe. Grace sempre foi muito bonita, a mais bonita na verdade. Ela era uma mulher muito desejada. E seu pai? Ele não era nada, era um imundo que não a merecia. Mas ela não me queria, nunca quis. Ela preferiu seu pai a mim. E saber que você poderia ser minha filha...- deixou as palavras no ar, e enquanto ele falava, tentei contorcer minhas pernas de algum jeito para solta-las das cordas que estavam mais frouxas que as da mão- eu nunca dei muita bola pra isso, seu pai era meu amigo. Grace também. Mas sabe, seu pai mexeu com quem estava quieto. Eu só queria a grana, sua mão não tinha que se intrometer. Eu nunca quis que ela morresse.

Ele fitou meus olhos causando uma tremenda aflição. A faca estava fincada na madeira velha da cadeira, reluzindo sua prata brilhante e afiado.

-A culpa é sua, sabia? -Continuou dizendo, pressionando novamente a faca em meu braço. - Você ia morrer no lugar dela, e ela ainda estaria viva. Comigo talvez. Mas ela te amava demais pra não protege-la. Grace...sempre tão amorosa.

Contrai meus lábios em meio aquele pano em minha boca, tentando segurar as lagrimas que teimavam em cair. Eu sentia cada vez mais nojo daquele homem. As lagrimas ardendo em meu rosto como chamas, e minha cabeça e garganta latejando de dor. Ele se levantou bruscamente e virou minha cadeira, me deixando de frente para o espelho meio manchado ao lado do pequeno armário. Com um último movimento consegui afrouxar a corda que prendia meus pés a cadeira o suficiente para solta-las.

- Você está vendo? ESTÁ VENDO? - Gritou me assustando ainda mais - você é igual a ela. Eu vou ser obrigado a olhar para seu rostinho inútil sabendo que ela morreu por você. - Ele esbravejava apertando meu rosto forçando-me a manter o olhar no espelho, encarando meu reflexo.

Sentir as suas mãos imundas em mim e seu corpo tão próximo, me desesperava. Pelo reflexo seu olhar fitou meus pés que estavam praticamente soltos, e naquele momento sabia que toda e qualquer ideia de fuga havia ido para os ares.

- O que é isso? - Falou se abaixando e apertando as cordas em meus tornozelos, mas não antes de eu me debater e acertar o espelho a minha frente, o quebrando em mil pedaços. – Garota idiota!

Depois de dar mais alguns nós para se certificar de que eu não escaparia, ficou em minha frente e sua mão acertou meu rosto ferozmente. A ardência tomava conta do lado direito do meu rosto, e mais lagrimas ameaçaram sair. E como se não bastasse, cravou a faca em minha perna e quando a retirou estava envolta pelo meu sangue, que agora derramava no chão. Saiu de lá e a última coisa que ouvi foi o barulho forte da porta se trancando.

Estava sozinha novamente, naquele quarto da morte.

Lembranças Perdidas De Uma Garota QualquerOnde histórias criam vida. Descubra agora