Capítulo II - Cigana Sarah

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Povo cigano, um povo tão discriminado, em toda a existência de sua raça, são tratados como ladrões ou bandidos. Tudo de ruim naquela época era feito contra o povo cigano. Desde os tempos em que Jesus andava pela terra, isso não mudou até agora. Os ciganos não se esforçam por quebrar as barreiras que os separam dos demais povos, talvez por saberem que se abrirem os limites de seus acampamentos aos gadjês(que não é cigano), ou não-ciganos, a mescla dos povos será inevitável, as tradições perderão sua pureza, os costumes, os hábitos, os princípios e os valores serão de tal maneira modificados, que paulatinamente acabariam por destruir e matar o povo cigano. — Imagine um mundo em que as pessoas não tenham endereço fixo, documentos, conta em banco, carteira assinada nem história. E que a vida dele passe despercebida, como se não existisse. 

Que a única certeza é que nunca faltará preconceito e ignorância, medo e fascínio, injustiças e alegrias ao longo de sua interminável jornada. Bem-vindo ao mundo cigano. O universo cigano é tão antigo e extenso, tão cheio de crenças e histórias que nem mesmo nosso próprio povo conhece bem o limite entre verdade e lenda. É que o nome "cigano" designa muitos povos espalhados por quase todas as regiões do mundo. Povos com diferentes cores, crenças, religiões, costumes, rituais, que, por razões às vezes difíceis de compreender, foram abrigados sob esse o imenso guarda-chuva.

 Conhecemos muitos países, inclusive a Turquia, Afeganistão, Espanha, Índia, oriente médio em geral, o Egito e por vai, não temos fronteiras A história dos ciganos é toda baseada em suposições. Nunca deixaram rastros. Os ciganos são um povo sem escrita. Nunca foi deixado nenhum registro que pudesse explicar nossas origens e costumes. Nossas tradições são transmitidas oralmente, mas nem disso fazemos muita questão – os ciganos vivem o hoje, não nos interessamos por nenhum resquício do passado. A dificuldade em se fixar, o conceito quase inexistente de propriedade e a forma com que lidamos com a morte, eliminando todos os pertences do falecido. "Quando um cigano morre, há um processo de morte que se instala em todos os indivíduos do grupo" Durante o velório, o morto é o centro do ritual e, dependendo da posição que ele ocupava, a família se reestrutura: uma nova liderança terá que ser eleita.

 O corpo do falecido é lavado, untado com ervas aromáticas e vestido adequadamente. Esse momento de sofrimento e cumplicidade é importante para a identidade do grupo. Como em outras culturas, percebe-se a possibilidade de transcendência. No caso dos ciganos, esse é o momento de encontrar a sua alma naturalmente viajante. Em alguns acampamentos, eliminam-se todos os pertences do morto. Até o seu "trailer" chega a ser queimado. "É como um corte na história. Nada é guardado, não se resgata o passado". Depois da morte de um membro, muitos grupos ciganos se mudam para outro acampamento. Desde o início, com o contato com o Ocidente, fomos causa de conflitos, sendo culpados e intitulados de provocadores de desordem e subversivos ao sistema. E sofremos todas as perseguições religiosa, cultural, política e racial. Muitos morreram na santa inquisição, e na guerra, Hitler matou milhares de ciganos. 

É difícil saber o que veio primeiro: hábitos pouco ortodoxos ou o preconceito em relação a uma cultura tão diferente. Os ciganos tinham a pele escura, muitos filhos, uma língua indecifrável e origem desconhecida. Talvez a falta de oportunidades de emprego tenha sido a causa do nosso destino artístico. Éramos enxotados e então nos mudávamos, levando novidades dos lugares de onde vínhamos, para aonde íamos. Assim, surgiu a fama de mágicos, feiticeiros. Se todos acreditavam nisso, por que não aproveitar para fazer dinheiro? E, então, as mulheres passaram a ler as mãos, a prever o futuro. 

Negociar objetos era outra forma de sobrevivência: os ciganos tinham acesso a mercadorias "exóticas" e podiam levar sua tralha para onde quer que fossem. Nosso povo cigano, rodou o mundo, não teve terra estrangeira onde um cigano não pisou. Não criamos raízes, não temos uma noção concreta de propriedade – estávamos sempre fazendo negócios com nossos pertences, preferencialmente em ouro, que não perde valor e é aceito em qualquer nação (por isso a imagem cigana é vinculada ao uso do ouro como adereço, especialmente nos dentes das mulheres). Não gostamos de se submeter a leis e a regras que não sejam as nossas. 

Dama da NoiteWhere stories live. Discover now