MUTILAÇÃO

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MUTILAÇÃO


        Hayden estava furioso com sua condição, completamente preso, com perspectiva de mutilação até a morte, a língua cortada fora e, em breve, os dentes todos arrancados.

        — Sou um bom médico, vou arrancar todos os seus dentes — disse o louco aproximando-se de Hayden com uma pinça de ferro na mão.

        Ele enfiou um ferro para abrir a boca do garoto, após conseguir, enfiou a ferramenta e prendeu num dente molar com força, preparando-se para puxar. O terror de Hayden era tamanho que seu desejo era desistir, fechar os olhos e esperar que tudo acontecesse até a morte.

        Mas se recusava, mesmo que estivesse em pedaços, lutaria enquanto tivesse vida, por sua vingança e seu destino. Ele fez uma força descomunal, tentando erguer a cabeça do leito duro, mas seu pescoço estava bem preso por uma coleira apertada fixada na pedra, debaixo de si; assim como suas mãos e pés, presos e sem espaços para movimento algum. Mas sua agonia lhe dava uma força ainda maior que a de costume. Ele forçou o abdômen tentando arrebentar a corrente de seu pescoço. O carcereiro arregalou os olhos loucos, quando os elos da corrente começaram a estalar. O homem feio ficou imóvel.

        Hayden mordeu a ferramenta que estava em sua boca e reuniu ainda mais força para finalmente arrebentar a corrente que o prendia à cama de pedra. Simultâneamente puxou o carcereiro para si com os dentes serrados no alicate e depois, ambos largaram a ferramenta. O carcereiro largou-a por estar sobressaltado, e na busca de se afastar de seu prisioneiro, mais louco que ele próprio. E, Hayden, para deixar suas presas livres.

         Em seguida, deu um verdadeiro bote e mordeu com força o músculo do trapézio do carcereiro, fazendo-o gritar de dor e agonia. Então, conseguiu quebrar também a corrente da mão esquerda, com ela segurou os cabelos do espantalho humano e bateu  brutalmente sua testa na dele diversas vezes seguidas, fazendo, por vezes, sons de casca de ovo quebrando, descarregando assim, o ódio acumulado em seu peito enquanto destruía a cabeça do sádico e cruel carcereiro, tirando sua vida com ossos da face e do crânio quebrados e com o rosto ensanguentado.

        O homem horrendo não durou muito, mas Hayden desferiu mais oito impactos destrutivos e depois o largou ao chão sem vida e banhado em sangue. Seu nariz enorme desapareceu, o olho direito se esbugalhou e o rosto todo afundou. O rosto de Hayden também estava banhado, porém, do sangue alheio. Sua resistente pele não chegou nem mesmo a ficar roxa e seus ossos não tiveram uma rachadura sequer, enquanto o do carcereiro ficou em cacos.

        Hayden arrancou as correntes do outro braço e das pernas, pegou ferramentas como se fossem armas e esperou os soldados entrarem. 

        Não demorou para os guardas mais próximos adentrarem a prisão de espadas em punho. Hayden brandia uma haste de um metro, de ferro, pesada e arredondada.

        Três guardas apareceram, afinal, Hayden não estava em uma cela comum. Estava numa câmara de tortura, com porta comum, de onde o torturador entrava e saia constantemente, mas de onde nenhuma vítima saía.

        Um dos guardas foi chamar reforços, ficando satisfeito por não ter de enfrentar aquela fera sem nada a perder e, talvez, já completamente louco. Com rosto ensanguentado e olhos injetados de fúria e desejo de matança e vingança, Hayden Caminhou na direção dos dois adversários​ confiante.

        Ambos portavam espada e escudo. Hayden andava sendo pessimamente alimentado. Mas, ainda assim, trocou golpes rápidos e poderosos contra ambos oponentes, obrigando-os a se defender e recuar para a porta, mal conseguindo revidar à espada. Quando Hayden viu a oportunidade, girou o corpo numa investida e desferiu um golpe no tornozelo do guarda da direita, espatifando seus ossos e arrancando um terrível grito de dor do homem.

         Para aflição de Hayden, surgiram atrás do ferido e do aterrorizado guarda mal treinado, quatro guerreiros mascarados de Kitrina. Porém, Hayden não cogitou desistir. Antes de resgatarem o ferido, ele investiu com seu peso sobre os dois, fazendo o homem gemer e ficar sem voz de dor. E, o principal, largar a espada que Hayden se apossou, pegando pela lâmina, e em seguida empunhando como o cavaleiro de elite que era. Deixou os fracos saírem e parou próximo da porta, tentando enfrentar um por vez. Os hábeis mascarados não queriam exibições, empunharam lanças compridas e obrigaram o garoto a se afastar. Em seguida entraram, cercaram, perfuraram, suas pernas, retalharam seus braços.e o desmaiaram com o cabo duma espada na cabeça.

        — Hayden, Hayden... Você daria um parceiro que valeria à pena, me orgulharia de você, nos amaríamos e treparíamos até enjoar. Eu te amava, seu verme! Mas você jogou tudo para o ar. E quem saiu perdendo foi você — Hayden não estava completamente consciente, a loucura da derrota gritava em sua mente. Mas a voz de Kitrina era mais perturbadora, e o tirou do transe da desesperança para o ódio.

        — Acha que por te amar eu seria sua escrava? Eu sou Kitrina. A Imperatriz Serpente. Eu aprisiono, eu escravizo, eu sou amada, desejada e venerada. No sou escrava de nada. Muito menos de sentimentos. Agora vou providenciar para que nunca mais tente fugir ou empunhe uma espada. Não terá mais esse gosto na vida.

        Maldita! Hayden a insultavam na mente. Desejava cuspir em sua cara, mas sem ali guardas, era impossível. Ele também chorava por dentro. Essa desgraçada, vai arrancar minhas mãos... Deuses da guerra, prometo cem mortes de orcs em batalha se me permitirem brandir uma espada novamente. Irei aos confins do mundo e trarei a cabeça de um dragão se deixarem-me vingar-se de Kitrina.

        Hayden estava preso com correntes ainda mais grossas que as anteriores. Kitrina pegou uma faca sem muita cerimônia, seu rosto irônico e sugestivo tornou-se​ frio e até meio tenso. Parecia preocupada com assuntos, aos quais precisava retornar sem demora. Ela pegou o pé esquerdo de Hayden e o ergueu no limite dos três elos grossos, com o fio dá faca virado para cima, ela cortou o grosso tendão do calcanhar dele, depois, fez o mesmo com o direito.

        Sem demonstrar contentamento, talvez lamentando no que estava transformando aquele belo e majestoso jovem, Kitrina trocou a faca média por uma bem menor e com uma ponta em gancho, com a parte interna do gancho afiadíssima. Com ela, Kitrina encontrou e partiu um a um os tendões do pulso do garoto. Sem fazê-lo sangrar demais, apenas anulando qualquer possibilidade de mover as mãos para fecha-las.

        Ao terminar seu sórdido trabalho, jogou a lâmina na mesa de ferramentas, e  deixou a câmara do terror com a face descaída e a passos apressados.

        No leito de pedra e ferro, Hayden chorava. Chorava como um vivo preso num corpo morto. Chorava como um guerreiro com necessidade de luta e desejo de vingança privado de sua última vontade. Chorava como um escolhido para uma importante missão completamente fracassado e abandonado. Chorava e afundava sua mente num mar de tristeza, dor da alma, desespero, aflição, pesar e loucura. Chorava e suas lágrimas escorriam pelo seu rosto marcado por cicatrizes até molhar seus cabelos.

        Ali, Hayden abandonava sua sanidade, sua consciência e suas lembranças, estava morto, apenas sua mente não sabia, mas, agora compreendia e aceitava. Não havia outra opção. Havia acabado para ele. A morte de sua alma já havia ocorrido, agora sua mente devia juntar-se a ela. Era o melhor Alento para alguém que viveria até​ o fim de sua vida sendo torturado, humilhado e sem uma única chance de virar o jogo.

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