KITRINA

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KITRINA


        Enquanto esperava Harley retornar com ajuda, Stok cuidou como pôde de seu primo, assim como o analisou sob a tranquilidade do bosque, pois embora a segurança ali fosse mínima; ele era um guarda hábil o suficiente para mante-los em segurança caso surgisse algum risco, um risco que não passasse de três guerreiros, pois com Hayden caído ao chão, rapidamente tentariam usá-lo como refém apontando a lâmina para seu pescoço emagrecido.

        Ao analisar as tristes condições físicas que seu primo apresentava, Stok se deu conta que ele nunca foi tão querido, ou ao menos tão prezado como agora, que estava frágil, magro e com risco de... Stok fugia desses pensamentos, mas eles insistiam em vir: Será que ele vai... morrer?

        Seus músculos densos e muito acima do esperado para seus dezesseis Sóis haviam se esvaído, e quando Stok tentou medir seu pulso constatou a terrível cicatriz, onde seus tendões haviam sido cortados e deixados cicatrizar rompidos, deixando os punhos inúteis.

        O ar faltou aos pulmões de Stok e seu sangue congelou sob sua pele com essa constatação.

        Será que um dia poderá brandir uma arma outra vez? Pensava que não.

        Seus olhos arderam de tristeza e fúria pelo que foram capazes de fazer a Hayden. Haviam-no destruído. Sem mais lutar para se conter, Stok chorou. Um choro de saudade de casa e da família; de pesar pelo primo; de cansaço da jornada; de desespero por sentir-se inútil e não poder ajudar mais; mas, também de fúria pelo que fizeram a Hayden. O peso sobre seus ombros era como se carregasse um mamute.

        Quando sentiu-se capaz e encorajado o suficiente, abriu cuidadosamente as pálpebras de Hayden para verificar se haviam causado males também aos seus olhos. Suspirou aliviado, quando viu apenas pupilas dilatadas e perdidas, mas ainda intactas nas íris apagadas, sem o brilho costumeiro da raiva e da indisciplina dele.

       Stok fechou seus próprios olhos, assim como os de Hayden, e recostou a cabeça a um tronco, no qual se apoiava em busca de um mínimo de conforto e ao passar a língua sedenta pelos lábios sentiu-os ressecados. Sem precisar abrir os olhos pegou o cantil de vinho, deixado ali por Harley, e sorveu goles refrescantes. Em seguida baixou a cabeça olhando o rosto ossudo sem expressão. Abriu calmamente a boca cerrada dele para despejar o líquido revigorante em sua garganta. O que viu o deixou de olhos arregalados, e seu coração parou por instantes, depois voltou a bater, porém, despedaçado. A língua de Hayden havia sido cortada fora. Stok mal tinha lágrimas para derramar por mais aquilo, mas suas entranhas se retorceram, e a dor e o pesar foram tão grandes que, ainda assim, lágrimas quentes rolaram por seu rosto cansado saindo de olhos inchados até pingar inúmeras vezes nos tecidos que cobriam Hayden. Stok abraçou-o com ternura, tentando confortá-lo de algum modo, imaginando os sofrimentos pelos quais havia passado. Seus pensamentos insistiam em trilhar os caminhos da desesperança na recuperação de Hayden.

        Jamais ouvira falar de qualquer pessoa que tivesse se recuperado de tamanho mal. Jamais cresceu uma perna a um amputado, mão a um maneta, ou orelha a um mutilado; tão pouco uma língua a quem teve a sua cortada fora. Sem considerar a consciência de Hayden que o abandonara, deixando apenas seu corpo, inerte e despedaçado.

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        Kitrina seguia à frente de seus guardas e servos através das passagens de seu castelo. Dirigia-se, seguida por eles, rumo a câmara secreta, para ver com seus próprios olhos o que havia ocorrido ali e no poço.

        O relato que ouvira veio dos feitores, já que seus jovens guardas pessoais, tinham como uma de suas características a mudez.

        Quando chegaram ao grande salão, até a própria Kitrina teve de conter um suspiro de espanto. E, após observar com atenção os detalhes da cena, sentiu certa apreensão e, algo que não sentia ou não assumia sentir havia muito tempo: medo.

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