SOMBRA NEGRA

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SOMBRA NEGRA


        Stok preparou tudo com grande precisão e cuidado. Analisou as cordas uma a uma e prendeu as grossas pontas superiores nas barras ancestrais da grade da câmara de treinos, a metros de distância da borda do poço, e com grandes nós especiais que, quanto mais são puxados, mais firmes ficam.

        Em seguida tentou mensurar a profundidade do poço antes de finalmente se lançar a sua missão segundo Kitrina impossível e mortal. Deixou cair uma pedra, um jarro e uma bandeija grossa e estridente da borda do poço e aguardou para ouvir o estrondo lá embaixo. Mas não houve nenhum. Ou não haviam chegado ao fundo ou o poço era tão profundo que o som do impacto era inaudível, embora Stok não acreditasse nessa possibilidade. Estava certo de que, ainda que houvesse água no fundo, seria possível ouvir o som com clareza, ecoando pelas paredes do poço até escapar por sua grande boca e agitar seus ouvidos aguçados.
Não houve nenhum som, mesmo após contar até cem, parar de contar um bom tempo e apenas continuar a escutar com atenção​. Nada.

        Sem mais poder protelar sua missão suicida, Stok mandou lançarem a corda que ficaria na extremidade inferior, com o lenço pessoal de Kitrina. Depois foram lançando as outras, cada vez mais fortes e grossas, no momento que lançaram o sétimo rolo de cinquenta metros, o peso se tornou tão grande que rompeu a grande manivela de aço. E passaram a despencar com brutalidade, e fazendo um som terrível enquanto raspavam a borda do poço com seu peso assombroso e se lançavam nas trevas sem fim. Stok pediu aos deuses que fizessem a corda suportar seu próprio peso. A extremidade superior era da grossura de seu pescoço.

        Todos os escravos e feitores ficaram de olhos arregalados e num silêncio pleno. Esperando o desfecho decisivo.

        Um feitor fez menção a desferir uma chicotada em Stok culpando-o, mas não o fez. Stok estava sob tutela dos temíveis meninos mascarados de Kitrina, não sob a dele.

        Grande foi o alívio quando a corda terminou de se lançar no abismo e não se partiu. Ao menos onde era visível e de se esperar. Ela se retesou mais que qualquer corda de arco ou catapulta. Tornou-se uma barra de aço imóvel, onde poderiam subir várias pessoas sem que ela se movesse.

        O carcereiro mais arrogante gargalhou e disse:

        — Infelizmente pra você a corda não se partiu. Terá de descer — fez uma careta — para a morte — finalizou com outra gargalhada hedionda.

         Stok não se perturbou ou se desconcentrou, mensurou que toda aquela escada media mais de uma milha. Haviam uns dois mil bambus estreitos servindo de degraus. Presos de forma que não recebessem pressão do peso das cordas, que era colossal. Todas elas juntas pesavam mais que um lanosso, cerca de sete mil quilos. Stok escolheu seus equipamentos: um cinturão com corda e gancho, um capacete com tira de couro e vela grossa de lenta queima, uma lâmpada com azeite suficiente para três cintras de luz e pedras de fogo. A Runa que Harley lhe dera ía ao bolso do calção. Além disso usava sua bota, um colete de algodão, e luvas. A descida seria longa e desgastante, não queria deixar as mãos e pés em carne viva com a terrível empreitada.

        Iniciou a descida usando a vela como fonte de luz e com Harley e Hayden em seus pensamentos: Onde estará Harley? Como vai se portar sozinho? Nos veremos novamente? E Hayden, o que aquela bruxa fez a ele? Não há nada que eu possa fazer. Como tudo acabará? Falharemos na nossa missão?

        Lembrou-se de Drak'Nazit e sua família. Seu coração se apertou ainda mais. Lágrimas quentes insistiram em brotar de seus olhos ardentes. Era melhor não pensar. Apenas agir e acreditar no impossível.

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