CAPÍTULO 1

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As pessoas dizem que sou alguém do tipo "copo meio vazio". Eu acho que elas estão certas, porque eu nunca entendi como é possível enxergar o copo meio cheio quando está na cara que está faltando alguma coisa. Mas, pensando bem, talvez seja porque passei o último verão trabalhando numa lanchonete, e um copo meio vazio queria dizer que eu estava atrasada com o serviço.

Ou, então, talvez seja a minha natureza pessimista, mas, quando estou na aula de Biologia, duas carteiras atrás da minha melhor amiga, verônica, não consigo parar de pensar no segredo que ela obviamente guarda. Estou segurando meu lápis cheio de marcas de dentadas, como se daquilo dependesse a minha vida, enquanto a observo, quando deveria estar usando o coitado para copiar o diagrama desenhado na lousa.

Na verdade, a Verô, em toda a sua glória de "copo meio cheio", não é boa em guardar segredos. Nesse momento, ela evita totalmente o meu olhar, e anota tudo, como se a Biologia fosse desaparecer numa liquidação de ponta de estoque; a ponta de sua botinha, de cano curto e de camurça cinza, super na moda, batendo contra o piso bege mais rápido que o batimento cardíaco de um beija-flor. Ela brinca com seu cabelo castanho e comprido, jogando-o na frente do rosto, para que eu não veja a expressão de seus olhos, também castanhos.

Eu ainda não decidi se vou perguntar ou não a ela o que está rolando. Minha festa de aniversário é hoje à noite e o segredo dela pode ser alguma coisa incrivelmente espetacular, o que significa que seria melhor que fosse uma surpresa.

Mesmo assim, isso me leva de volta ao "copo meio vazio" e ao fato de que eu duvido muito de que seja algo espetacular. A Verônica é uma dessas pessoas fáceis de ler, como um livro aberto.

E, nesse momento, o livro está aberto na definição de "nervosa". O restante da classe está caindo de sono, os alunos estão debruçados sobre carteiras e cadernos. Na verdade, eu tenho certeza de que aquele cara no fundão, com moletom de capuz azul-escuro, está dormindo mesmo.

Mas não a Verônica. A Verô está irradiando mais energia que uma criancinha de dois anos que se entupiu de açúcar. Ela finalmente levanta a cabeça e olha de relance para mim, e aqueles olhos castanhos sensacionais se arregalam quando ela vê que a estou encarando. Ela volta para o caderno, rabiscando alguma coisa, furiosamente. Ou ela está anotando tudo ao pé da letra ou está escrevendo o próximo Guerra e paz.

Suspiro e volto a prestar atenção no Sr. Gordon, que está nomeando cada parte do desenho de uma célula. As palavras em giz vermelho desbotado estão apertadas e tortas, quase ilegíveis.

Seu colete de lã xadrez azul e vermelho está levemente torto, e ele sua e enxuga as sobrancelhas grossas e grisalhas com as costas da mão a todo momento.

Parei de ouvir em algum ponto perto da mitocôndria, e então agora estou perdida, sem esperanças. Ter Biologia como primeira aula do dia deveria ser contra a lei; até parece que meu cérebro está a todo vapor, às sete e cinquenta da manhã.

Disfarço um bocejo e olho pela janela, rezando para alguma coisa muito doida acontecer, como o salgueiro gigante e pelado do jardim simplesmente tombar. Ou talvez a menina do nono ano, que está correndo pela grama, escorregar em uma das folhas alaranjadas cobertas de orvalho e cair, e assim eu teria de sair correndo e ir até lá para checar se está tudo bem. Qualquer coisa seria melhor do que ficar plantada aqui. Só faz um mês que começamos nosso primeiro ano do ensino médio, porém cada dia já está mais devagar que o outro. E a voz monótona do Sr. Gordon e o giz fazendo um barulho estridente na lousa, o que me dá arrepios, não estão ajudando em nada.

Eu me abaixo e coço minha perna por cima da meia-calça arrastão. Tem uma costura na parte interna do joelho que está me deixando maluca. Eu nunca usei essas coisas antes e já estou me arrependendo. Acho que vou tirá-la no banheiro.

Make Your Wish - CamrenWhere stories live. Discover now