1 - SEM COMPREENSÃO - Daniel

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... Preciso me concentrar. Preciso me concentrar. Preciso...

Pálio!!! O cara mais bonito da universidade! Que surpresa vê-lo aqui.

Suspirei exausto e larguei o livro sobre a mesa. Logo encarei o intrometido sorridente, que, é claro, estava me zombando outra vez.

– O que você quer, Emerson?

– Ah cara, deixa disso – bufou diminuindo o riso. – Hoje é sexta-feira, a facul está deserta. 'Bora aproveitar e badalar!

Revirei os olhos e tentei voltar minha atenção, sem nada dizer. E adiantaria? Emerson não entendia... Ele não poderia entender.

Ter entrado para a faculdade de medicina exigiu muito de mim, mais do que eu pensava que pudesse conseguir. Manter-me no curso era desafiador, não apenas pelos estudos e nem mais apenas pelos gastos que estavam me gerando.

Trinta e cinco dias haviam se passado desde a morte da minha mãe e eu ainda não conseguia assimilar aquilo. Havia sido também numa sexta-feira e, como hoje, não era em uma balada que eu estava. Eu também estava aqui, na biblioteca da faculdade de medicina, tentando me concentrar na biologia molecular, porém com distração muito diferente desta de agora.

Dias antes eu havia recebido uma triste notícia. A família do senhor que eu cuidava, havia pouco mais de um ano, decidira por colocá-lo em uma clínica de repouso. O senhor apresentava a síndrome Parkinsoniana, mas não estava em estado severo a ponto de apresentar picos psicodélicos. Eu me entristecera, não apenas por perder o emprego, mas por não poder fazer nada mais por ele. O senhor Augusto tinha várias dificuldades motoras, mas mantinha a consciência e gostava de jogos de raciocínio... Ah, jogos de raciocínio!

Além do acontecido quanto ao meu emprego, com a preocupação de sua falta e as provas finais do primeiro semestre da faculdade, rompi um relacionamento que não havia começado há muito tempo. Eu não havia calculado que namorar com uma colega de curso poderia me trazer mais problemas. Ainda que colegas do mesmo curso, Vanessa também não poderia entender a minha situação.

Sempre tive minhas prioridades e isso não havia mudado. Eu tinha que me esforçar por mim, pelos meus irmãos e... Pela minha mãe não... Não mais.

Ainda não acredito que ela faleceu naquele terrível incidente na academia que meus irmãos e eu frequentamos há tanto tempo! É uma dor que eu jamais poderei superar, muito menos esquecer... Mas, ainda havia muito para que eu pudesse compreender.

E, como naquela noite, estou tentando me concentrar nos estudos, na biblioteca, no local mais isolado, em uma sexta-feira. Porém, desta vez com um vazio doloroso muito maior... incomparavelmente maior!

– Hey cara, vamos, se anime! – Disse Emerson, tocando em meu ombro e na provocação. – Não pega bem você trocar as festanças do deus Baco por esse velho francês aí.

Olhei-lhe de soslaio e perguntei retórico:

– Está falando do Kapandji? – Apontei para o nome do escritor do livro de fisiologia.

– Você não precisa estudar tanto – expressou-se parecendo estar se irritando. – Quando foi a última vez em que você dormiu por mais de quatro horas seguidas? Quando foi a última vez em que você saiu por diversão? Ao cinema? Teatro? Parque? Clube? Você nem tem visto os seus irmãos... Que espécie de tratamento ao luto é esse?

Voltei a encarar o Emerson, me mantendo sério. Era aquele papo outra vez... Era sempre o mesmo! Ele não entendia...

Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, ele continuou:

– Nem venha com o papo de que precisa estudar mais, trabalhar para pagar os estudos e as contas de casa e bla bla bla. – Aliviando a expressão, abriu um sorriso e falou: – Se você aceitasse uma daquelas propostas para ensaios fotográficos, você logo poderia comprar esse prédio inteiro.

Emerson continuou falando, mas eu não prestava atenção em suas palavras mais. Naquela noite eu não conseguia me manter focado, nem nos estudos, nem no falatório alheio... E não era apenas pelo luto.

Logo ouvi o alarme de mensagem do meu celular e me apressei em visualizá-lo. Devo ter mudado logo de expressão, pois as exclamações abafadas de Emerson me estavam dissonantes. Ainda assim, eu não lhe daria mais atenção.

Deixando o Kapandji na mesa, me levantei em um sobressalto e, a expressão, na certa, assombrada que eu fazia, foi substituída por uma carranca de tensão. Pressionando meu celular em minha mão direita e contraindo minha mandíbula com mais força do que deveria, recebi a resposta que eu esperava, mas que não gostaria de receber.

Ela foi absolvida! - Maya

***

– Que milagre você por aqui, Bruaco!

Sem amenidades entrei e fui até o sofá, aflito.

– O que há com você?

Sacudi um pouco a cabeça, tentando espantar meus deslizes de concentração e tentei diminuir minhas feições sérias.

– Ah me desculpe... Como você está, Adriel?

Confesso que estava evitando meus irmãos há algum tempo, mas eu não poderia para sempre. Além do mais, eu não sabia mais para onde ir, do que para a que era a casa da minha mãe. Eles também iriam me julgar assim que eu aparecesse, eu sabia... Mas, eu precisava falar com eles.

Adriel estudava minha fisionomia, o que, óbvio, me deixou mais incomodado, até que suspirou e falou:

– Na medida do possível... Bem! E você? Como está?

– Tenso... Alheio... Não sei. Onde está o Natiel? – Não consigo disfarçar minha impaciência, por muito tempo, do meu irmão mais velho.

Adriel franziu a testa e falou:

– No sul, com a banda...

– Ah, é mesmo – respondi sem me importar.

– Além do mais, ele não vive mais aqui. Desde que firmou contrato ele se mudou para um apartamento próximo ao centro da cidade. – Continuou, como se eu já não soubesse. Ele estava me dando tempo, mas eu conhecia sua impaciência. – O que está te deixando tenso e alheio, Daniel?

Fitei Adriel. Era certo que agíamos de forma diferente para diversas situações e, aquela, era a pior delas. Eu me compadecia por ele que teve que adiar os planos de casamento. Ainda assim, Estela viera de imediato quando soube do que acontecia e quase nunca saía do seu lado. Ela deixara o curso na Irlanda pela metade, mas não havia o que pudessem dizer ou fazer para dissuadi-la. Eu a admirava e gostava dela por amar tanto o meu irmão.

– A Estela está aqui?

– Reunião no trabalho – respondeu sério, sem deixar de me fitar. – Só virá amanhã de manhã.

Expirei aliviado. Naquele momento, era melhor falar apenas com Adriel. Eu também sabia que, conservadora como era a família da namorada, ela não estava vivendo com ele ainda. Isso era muito apropriado, afinal, o que eu tinha para falar não levaria pouco tempo...

– Precisamos falar sobre a mamãe.

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O que será que está acontecendo com o Daniel? Ele não parece estar agindo como ele mesmo... E quem será que enviou a mensagem que o deixou mais tenso? 

Até breve, seus lindos!!! 

FRAGILIZADO - Livro 3 [COMPLETO] - Trilogia Irmãos AmâncioWhere stories live. Discover now