28 - AS PRELIMINARES - Segunda Parte

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– Para a coisa ficar mais divertida, que tal você apostar esse seu isqueiro, Vic? – Sugeriu o loiro.

– Você está louco? – Provoquei, ainda sorrindo. – Este é um original que não se fabrica mais. Não é como essas porcarias descartáveis que vocês usam.

– Tem medo de perder a aposta? – Me encarou a loira.

– É claro que não – bufei e larguei o isqueiro na mesa, soltando uma baforada de fumaça do cigarro.

– Então, está decidido. – Sorriu incitadora. – A aposta se dará início amanhã... Se eu fosse você, estudaria o terreno até lá.

Eu não era uma estúpida. Sabia que as "peruas oxigenadas" iriam aprontar, só estavam na espera para me derrubar. Eu ainda despertava inveja por onde passava e ria da ingenuidade e futilidade alheia. Nenhum deles enxergava a minha dor, a minha alma podre. Se assim fosse, eles jamais quereriam ocupar o meu lugar ou mesmo se aproximar de mim. Por isso interpretei a ideia daquela proposta insana masculinizada de forma tão rápida. O desafio real não consistia em somente conquistar o cara mais bonito da academia, talvez do bairro, ou podia até ser o da minha realidade. O que eu tinha que fazer era desbancar aquelas "talaricas", lhes passando a perna, antes que elas me pegassem. Isso, realmente, me parecia divertido e eu estava cada vez mais excitada.

Era curioso perceber que nenhum deles me conheciam no mínimo que fosse. Eu não costumava ligar para os caras mais bonitos, por isso nunca me importei com este antes. A minha beleza sempre me foi mais do que suficiente e, quanto aos homens, sempre me foram para uso de interesse apenas. Claro que eu já havia ficado com caras belos na aparência, mas isso não me inebriava. Eu era a prova de que havia muitas mentiras encobertas pelo mais belo e refinado traço. Eu não confiava em nenhum deles... Ainda assim eu estava disposta a entrar naquele jogo. Eu não tinha mais nada para me ocupar a mente.

Envolver pessoas que não pareciam más não estava em meus planos. Mas, eu estava querendo me danar. Eu estava disposta a jogar, mas sabia que não era infalível. Eu iria cair e sentia que minha hora estava chegando. Redenção, enfim? Daquela vez o jogo seria outro? Quem sabe...

Soltei todo o ar esfumaçado do cigarro antes de apaga-lo, assim como qualquer encargo de consciência e pensamentos duvidosos. Eu havia aceitado o desafio e iria atrás dele!

Na tentativa de buscar minha presa com o olhar, deixei me distrair por alguns instantes ao perceber alguém transitando com um dos casacos que costumava me pertencer. Será que era aquele garoto? O que ele estava fazendo lá dentro da academia? Com tantas pessoas, acabei perdendo-o de vista e logo perdi minha curiosidade a respeito também. Devo ter bebido demais...

***

Deixei a turma "vazia" do café e parti para me informar, mas como alguém que nada queria. Eu sabia que Helena tinha informações, mas, naquele momento, ela estava em reunião com o seu Fausto, o dono da academia. Bem, ela falaria e ele ouviria e assinaria, era assim que a sociedade entre eles funcionava. Ele não era um sujeito mudo, mas era tão sovina que economizava até nas vibrações vocais.

Eu sabia que o nome dele era Daniel, afinal, era de quem mais falavam por ali. Sabia que há muitos anos ele frequentava o lugar, junto com os irmãos. Ouvindo, perguntando e envolvendo outras pessoas, também descobri que ele estava estudando medicina, que cuidava de pessoas e o mais importante, o que me daria um grande motivo para me aproximar... Ele faria aniversário justamente no dia seguinte, o primeiro da aposta. Não souberam me informar se ele tinha algum relacionamento afetivo, embora não faltasse quem afirmasse que já estivera com ele. Mas, isso não me importava. O objetivo sim! Eu precisava me distrair. Foi quando ressurgiu outra distração...

A mesma pessoa... Meu mesmo casaco... Em meio há muitas pessoas. Não resisti e segui até onde consegui. Pude ver que entrara em uma porta. Eu conhecia aquele setor... Era o estúdio de Pilates que ainda não estava em funcionamento. Estranhei. Aquela sala deveria estar trancada! De ímpeto, fui até lá, abri a porta e levei um tempo até que meus olhos se acostumassem com a escuridão. O cheiro da sala, há muito fechada, começava a incomodar minhas narinas, mas segurei o espirro. Procurei pelos cantos da sala e não consegui ver ninguém, que não os equipamentos do estúdio. Um deles, o maior, tinha uma espécie de tablado com algumas correntes penduradas, grades e faixas que seriam usadas para os exercícios. Distraída, percorri os dedos por entre algumas molas, que possuíam fitas coloridas em suas extremidades, e fui despertada pelo barulho de metal que fizeram. Olhei por debaixo do equipamento, na procura pela pessoa que usava meu casaco, e nada encontrei. Era impossível! Para onde ele poderia ter ido?

Levantei-me, suspirei e relaxei os ombros. Eu devia ter alucinado outra vez. Era melhor parar de fumar e beber tanto... Ou não! Quem sabe?

***

– Vivi, que surpresa você já estar por aqui!

Assim que Helena apareceu em casa, pisquei bruscamente e engoli seco. Eu, ultimamente, reservava uma parte do dia para ficar parada, olhando fixamente para algum ponto existente ou não, pouco percebendo se eu respirava, se meu coração batia, se piscava ou mesmo se pensava... Eu não fazia nada, apenas ficava parada como uma samambaia sem vento e outros seres para estimula-la, com os olhos bem abertos e, ao mesmo tempo, totalmente reclusa no meu vazio.

– Oi tia – cumprimentei sem ânimo.

– Que bom que poderemos jantar juntas. Tenho tantas coisas para te contar... O Fausto quer...

Helena falava e eu fingia que ouvia. Geralmente, nossa vida compartilhada funcionava desta maneira. É possível que ela tenha percebido meu pouco interesse em seus assuntos, mas mesmo assim ela continuava a falar, até que eu a interrompia:

– Tia, acho que já está ficando tarde.

– Como assim, filha? São oito da noite!

– Eu preciso descansar... – Lhe dirigi o olhar, outrora alheio.

– Você não parece bem, Vivi. Melhor eu te levar ao médico.

– Deixa disso, tia. Só não tive uma boa noite de sono... – Quanta besteira. Não foi apenas uma única noite mal dormida. Fazia anos que eu não conseguia dormir direito. Àquela noite não seria diferente.

– Se alimente primeiro, Vivi – percebi seu tom de preocupação.

Assenti, logo me deixando iluminar por uma ideia. Pedi, sorrindo:

– Você pode fazer algo por mim, tia?

– Claro, filha – retribuiu o sorriso. Ao menos o dela parecia sincero. – O que você quer?

– Algo especial... Um evento especial!

Havia chegado a hora! Eu só não tinha certeza se seria o início ou o fim.

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E agora Victória? O que você fará?

Até breve seus lindos! <3

Música na multimídia: Lost – Within Temptation

FRAGILIZADO - Livro 3 [COMPLETO] - Trilogia Irmãos AmâncioWhere stories live. Discover now