Capítulo 6

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Achei água.

Não demorou muito. Primeiro ouvi. Um ruído que começava sutil. Tive que subir em mais duas árvores, o que me rendeu farpas nos dedos e um calo na mão direita. O pior foi a minha unha sendo arrancada, no desespero de me agarrar em uma das vezes que quase caí. O dedo sangrando me lembrou do cubo, da vez em que acordei sem qualquer unha nos dedos, da dor, da sensação de que tudo o que eu pegava mal acomodado nas mãos.

Fui recompensado, no entanto, por um rio estreito que corria veloz para o leste.

Era uma visão e tanto. Nem em minhas elucubrações mais hiperbólicas poderia ter imaginado ver tamanha abundância tão de perto. E, embora tenha me perguntado muitas vezes qual era o propósito de tudo que aprendia com a tela, percebi, pela primeira vez, o quanto eu fora limitado.

Árvores ladeavam o rio, que tinha uma cor acinzentada e azulada, ao mesmo tempo, formando espuma ao bater em algumas pedras, com força impressionante. O som... Ah... O som era magnífico, um burburinho que se avolumava e ganhava proporção. Era êxtase e suavidade e poder.

"Água, gostaria de lhe oferecer uma represa", pensei, imaginando a angústia de ser tanto.

Observei o rio por um tempo, ou mil oitocentos e trinta e cinco segundos. Fui cuidadoso ao me aproximar somente quando estava razoavelmente seguro de que não havia qualquer humano por perto.

Sedento como estava, bebi água até regurgitar, e então bebi mais água, devagar da segunda vez. Lavei minhas roupas, exceto o sapato e, por último, a mim. Foi a sensação mais estranha e, ao mesmo tempo, extasiante que eu já experimentei. E, apesar dos meus questionamentos, parecia... certo.

Queria guardar a água em mim, não somente levá-la comigo. Não podendo sanar nenhuma dessas vontades, não fiquei ali mais do que o tempo necessário. Tanta abundância não demoraria a atrair os outros.

Voltei para onde tinha a cobertura das árvores. Não estava em mata fechada, as árvores eram razoavelmente afastadas uma das outras, o mato não parecia alto e selvagem, isso tudo me dava uma sensação estranha na boca do estômago.

Andara vinte quilômetros desde o dia anterior, principalmente para o norte, alguns momentos a nordeste, meus pés estavam formando bolhas da caminhada em terreno acidentado, eu mancava. Mas que chance eu teria se parasse?

Uma M416 ou HK416. Tive vários dias na tela que ensinaram sobre armas diversas – como eram, como operá-las, cadência de tiro, potência... muitas vezes as operei em simulador. M416, uma versão melhorada da Carabina M4, era um fuzil de assalto, muito bom, mas não o melhor. Não importava, no entanto – qualquer arma seria mais eficiente do que mãos vazias, apesar delas terem sido estranhamente efetivas até ali. Tinha contado com as circunstâncias. Não podia mais depender delas. Precisava achar uma arma.

A fêmea fora em direção ao sudeste, ela e seu perseguidor vieram do noroeste. Para onde seria melhor seguir? Nordeste não era a melhor opção, eu precisaria buscar algum local para atravessar o rio. Além disso, logo eu ficaria com fome. Amoras não seriam o suficiente por muito tempo.

"Viver é tão difícil", pensei, seguindo para o sudoeste. Peguei um galho pesado no caminho (melhor do que nada) e corri.

Meu rosto não demorou a se contrair: dor nos pés, que se alastrou também para a perna. Tinha corrido treze quilômetros quando tropecei e rolei, os músculos da minha coxa repuxando, o grito represado.

Viver pela vida que eu pensava haver em meus olhos. Era mesmo o suficiente? Aquele seria só o começo, sabia disso.

Esperei a dor passar, ficando só aquela que estava abaixo da superfície, suportável. Ainda estirado no chão, comi mais um punhado das amoras, e deixei metade.

Agora, sem o som audível da minha respiração descompassada, o ruído do ambiente ganhava sua devida proporção. Não ouvia passos, mas vez ou outra escutava um estampido distante ou uma rajada que sabia ser de tiros.

Estava definitivamente atrasado.

Levantei com dificuldade e continuei. Não corri. Manquei e manquei, minha mente fixa em sobreviver, os olhos baixos, atentos em não tropeçar nas raízes ou nas pedras, temia cair e não me erguer.

Não sei se pela dor, pelo medo ou pela fome, mas não sabia se tinha andado mais dois ou três quilômetros. Não saber era terrível. Sempre soubera os segundos, as distâncias, as quantidades, seria ainda Ninguém se não soubesse? Quem eram aqueles que não eram nem mesmo Ninguém? E se eu, que era Ninguém, sabia, qual seriam as capacidades de Alguém? Temi esquecer. A soma dos meus temores afetava o resultado?

A caminhada parecia mais fácil, subitamente mais suave. O chão mudou; mais limpo. Ergui os olhos.

E talvez, pensei, tudo o que eu precisava para ser recompensado, era perseverar. 

Desconhecidos #EFCWWhere stories live. Discover now