Capítulo 7

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Se eu não tinha forças antes, elas vieram de algum lugar.

Desci o vale correndo. Tropeçando? Sim. Mancando? Sim. Mas os músculos do meu rosto estavam estranhamente distorcidos em uma expressão que só podia ser de deleite.

Um conjunto de construções baixas estavam bem diante de mim. Elas eram retangulares em suas proporções, tetos em forma de triângulos compridos, com pequenas partes mais altas que pareciam ter alguma função. Eram surpreendentes. Ver algo tão real, tão palpável para alguém que só conhecera quatro paredes perfeitamente iguais era surpreendente. Aquilo era arquitetura? Engenharia? O equilíbrio de inúmeras equações que resultavam em uma construção? Tinham um tom amarelo claro, um pouco desbotado e com partes do reboco aparecendo. Não eram um cubo em concreto polido, mas eu não era exigente. Tinham portas, buracos quadrados, paredes. Contive um grito, desta vez de... alegria?

Era possível a loucura ser exponencial?

Todo o conjunto de novas sensações faziam com que eu me sentisse mais e mais louco. Haveria um limite?

Parei diante da porta, esperando que ela abrisse. Impaciente, intercalei o apoio dos pés.

Esperei.

Esperei.

Não podia ficar parado ali. Além de me denunciar, atrairia aqueles abutres, loucos para me matar e, quem sabe, se tornarem Alguém.

Tentei empurrá-la, forçá-la. Talvez houvesse algum dispositivo que eu deveria acionar. No lado direito da porta vi um gancho, puxei. O estalo que recebi em retorno sinalizou a abertura da porta.

Entrei de supetão, fechei a porta e, apoiado nela, deslizei para o chão de madeira lisa. Madeira! Ri, madeira e paredes e portas e segurança. Cerrei os olhos e respirei profundamente pela primeira vez desde o dia anterior. Só um dia tinha se passado! Parecia que já ter vivido um estágio inteiro. O alívio de respirar. Que falta senti de não ter o ar preso no peito.

Ficar ali era um risco. Eu sabia disso. Eu sabia, sabia e sabia. E não queria sair dali. Mas estava certo, também, que se ficasse, morreria. Abri os olhos e comecei minha busca.

O cômodo era imenso. Contei doze metros quadrados. Era desprovido de qualquer móvel ou adorno, mas caixas se agrupavam aqui e ali. Tinha quadrados na parede cobertos por um material translúcido. Semicerrei os olhos, parecia haver um homo sapiens parado, olhando diretamente para mim, mas a imagem estava bastante difusa. Aproximei-me e ele fez o mesmo. Agachei assustado, o coração novamente acelerado. Será que não poderia ter um instante de tranquilidade?

As mãos começaram a suar. Ele tinha desaparecido. Será que tentaria entrar aqui? Ergui-me rapidamente, chegando em dois passos diante do quadrado.

Estaquei, entendi. Uma gargalhada à guisa de compreensão da minha tolice.

Não era uma pessoa, era um reflexo no vidro. Meu reflexo. O nariz um pouco grande, a boca o acompanhava, abri e fechei para vê-la se movimentar, mexendo também o queixo bem marcado. Passei a mão pelo rosto, os pelos começavam a despontar na face, dos lados, no topo, ainda que discretos, prenunciavam que em algum momento os fios quase negros poderiam povoar minha cabeça, algo raro no cubo. Os olhos estavam arregalados, eram escuros, embora eu não pudesse dizer a cor.

"Conhecer a mim me torna Alguém?"

Ouvi algo. Minha cabeça se ergueu, estiquei as orelhas, desfoquei meu olhar, atento ao som. Passos. Sem dúvida, passos.

Meu tempo acabara.

Corri para as caixas, abrindo-as com sofreguidão.

Uma G36 brilhou meus olhos. Leve e eficiente, trezentos metros de alcance ou um pouco mais. Um fuzil automático, acompanhado de caixas de munição e bandoleira. Em outra havia uma mochila grande, um cantil e barras de proteína. Não teria tempo para fazer uma busca mais profunda pelo lugar ou ir em outros cômodos.

Ainda estava carregando a arma de forma desajeitada, agachado, quando ouvi a porta abrir. Este era diferente, negro, ainda mais forte que o anterior, se é que isso era possível. Eu estava certo que não tinha músculos como eles. As mãos dele estavam vazias, suava em bicas.

Ele parou, em choque. Devia aguardar o ataque? Devia atirar?

— Não me mate. — Ele disse, a voz grave, comedida, baixa. Aqueles olhos cheios de vida e temor me encararam, a razão por trás deles... ela que me assombraria mais tarde?

Era difícil saber qual de nós dois estava mais aterrorizado. Minhas mãos tremiam com meus ombros tensionados. Minhas pernas posicionadas para controlarem o recuo do fuzil.

— Você não me mataria? — Perguntei sem firmeza na voz.

— Eu mataria.

A sinceridade dos inocentes. Essa também seria a minha resposta.

Atirei. O primeiro pegou no ombro, movendo-o para trás em um ângulo estranho, uma expressão clara de dor em seu rosto. Disparei várias vezes então, fechando os olhos, não havendo como errar daquela distância. Ouvi quando o outro caiu e abri os olhos. A perna estava torta, enquanto o sangue surgia e se ramificava, manchando sua roupa e espalhando no chão. Respingos sujaram a parede amarela, seu tronco ligeiramente apoiado na porta.

Morto.

Mais um.

Menos um.

De qual perspectiva eu deveria estar contando? Meu coração tinha pulado uma batida?

Foi difícil, ainda que fácil, e, afinal, era isso o que me assustava.


Desconhecidos #EFCWWhere stories live. Discover now