Capítulo 10

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Precipitação, conforme definida na aula setecentos e quarenta e dois do segundo estágio, preencheu toda a Vastidão na nona noite. E, embora tivesse visto o propósito de muito do que havia aprendido em meus dias no cubo, nada fora tão comprovadamente impressionante e propositada quanto a tempestade.

Primeiro, senti o cheiro, trazido pelo vento do leste. Um cheiro de grama fresca e terra molhada. A noite era ocasionalmente iluminada aqui e ali, com a eletricidade esbanjando luz em um estrondo que a acompanhava. Ainda que todo esse conjunto tenha atraído a minha atenção, fora a primeira gota que me fizera parar de chofre e olhar extasiado para o céu, um esgar de contentamento no rosto. Era estranho, revigorante e maravilhoso.

Abri a boca para receber aquelas gotas geladas que ficavam mais e mais frequentes, se transformando rapidamente em uma enxurrada. 

Após quinze minutos de chuva, estava enregelado, meus sapatos logo viraram um recipiente perfeito para acumular água e comecei a andar mais rápido na esperança de achar algum lugar que fornecesse uma cobertura melhor do que as árvores ao redor. A última construção que vira fora onde me escondera do quinto, dias atrás. 

A chuva era torrencial, talvez por isso gradualmente me acostumara com a temperatura da água. Aproveitei para esfregar a minha pele, tirando a sujeira e o cheiro acumulado desde que passara pelo lago. 

Peguei água como pude, com as folhas e mãos, enchendo o cantil, bebendo o máximo que conseguia. Passado os sinais precipitados de deslumbramento, passei a notar o quão perigoso podia se tornar tudo aquilo. Percebi que minhas pegadas ficavam mais e mais fundas na terra encharcada e pastosa. As tentativas de amenizá-las eram todas infrutíferas. Disfarcei-as como pude, procurando algum lugar, qualquer lugar, em que eu pudesse achar abrigo.

A busca, embora preenchida pelo tempo, era vazia, estava certo disso. Voltei a ficar mais e mais gelado pela noite que esfriava a medida que avançava. Eu tremia. Comi, com a esperança de me sentir mais confortável, mas também não foi o suficiente. Os músculos estavam rígidos e doloridos, até os ossos pareciam estalar.

Andei cada vez mais curvado, encolhido, o abdômen contraído, tremendo e tremendo. Nenhuma construção, nenhum abrigo. Levaram outras três horas para a chuva passar, diminuindo primeiro para um chuvisco fino, os raios esparsando até cessarem. 

Quando a chuva parou, parei também. Jogando-me naquela terra pegajosa e incômoda, que grudava onde quer que eu encostasse. As gotas de água aprisionadas pelas folhas eram libertadas com o único propósito de torturar, acertando-me em pequenas doses assustadoras. 

Não tinha outra saída, precisava de uma fogueira. Procurei qualquer galho ou ramo seco escondidos entre as raízes, mas não foram suficientes. Cortei a casca de árvore com a faca e arrebentei os galhos mais baixos e finos que encontrei, descascando a parte externa, molhada. 

Fiz uma estrutura como pude, para evitar o contato da madeira com a terra molhada. Agora vinha a parte difícil. Sabia a teoria: foco de luz, gravetos secos ou, a mais difícil delas, pedras. Com aquela madeira não tão seca assim, isso não daria certo... 

Sentei bem diante do amontoado de madeira. Estava congelando. Só queria deitar e dormir. Não faria mal deitar só um pouco...

- Eu tenho fósforos.

Foi só um sussurro no espaço.

Peguei minha arma em um único movimento fluido, subitamente desperto, e apontei para a fêmea que surgira à esquerda. Não a ouvira se aproximar. Talvez pela terra fofa, talvez por estar desistindo. 

- Sua munição está molhada. Não vai conseguir atirar. 

Despropósito! Ela estava certa. 

- Eu não tenho uma faca para conseguir madeira seca. Você não tem como acendê-las. Podemos nos unir, por hoje, e viver mais um dia, ou podemos seguir separados e...

Desconhecidos #EFCWOnde histórias criam vida. Descubra agora