UM

564 67 212
                                    

Poderia eu ter o poder de desaparecer quando quisesse? Simplesmente sumir por algumas horas? Garanto que gostaria muito que esse desejo se materializasse nesse exato momento. Querem saber o motivo? Bem, esta é uma longa história…

Posso começar dizendo que agora são precisamente sete horas e oito minutos de uma noite de quarta-feira. E aqui estou eu, mais uma vez, na solidão do meu quarto, ouvindo músicas depressivas.

O café com leite apoiado ao lado da cabeceira da cama permanece intacto. Assim como a minha vontade de estudar. Tenho uma prova dificílima na faculdade. Mas não estou conseguindo me concentrar em nada agora.

Muito dessa desconcentração se deve ao volume do aparelho de som da minha vizinha querida. Entenda que o querida foi uma ironia.

Enquanto as músicas se misturam, a minha e a de Simone, isso mesmo, a piranha tem nome, minha cabeça começa uma sinfonia de ruídos em uma completa desordem. Antes de me julgar, saiba que tenho vários motivos para chamá-la por esse bonito adjetivo. Isso eu garanto.

Nosso convívio nunca foi dos melhores. Muito devido a falta de interesse por parte dela, que praticamente ignora a minha existência. Acredito sua vida fútil é muito mais interessante para seus amiguinhos metidos do que para mim.

Como Simone mora sozinha, seu apartamento vive cheio de pessoas desocupadas. Afinal, ninguém que tenha algo a fazer anda com a Simone. A garota ainda é bancada pelos pais, e só faz o que quer e quando quer.

Cansada de ouvir aquela música infernal, decido encarar a minha vizinha de frente para uma conversa civilizada. Afinal, Simone ainda tinha ouvidos, apesar de quase nunca usá-los. Em menos de cinco minutos, já estou em frente a porta de seu apartamento, andando de um lado para o outro, formando um discurso em minha cabeça, de como pessoas normais não ficam ouvindo volume no máximo em plena quarta-feira.

Após o que pareceu uma eternidade, enfim tomei coragem para bater. Uma. Duas. Três. Quatro vezes até a porta abrir. E posso confessar aqui, meu coração parar.

Será que bati na porta certa? Não é possível que tenha me enganado. Como poderei descrever aquela sensação? Não tem como.

Ele é muito alto. E seus músculos ficaram a mostra através daquela camiseta branca. Deveriam proibir os homens de andar com esse tipo de camisa. Em um primeiro momento, nós somente nos encaramos. Eu, logicamente perdi as palavras que tanto quis decorar ao dar de cara com esse monumento. Ele, acredito que esteja confuso ao visualizar uma completa estranha, parada em frente a sua porta, com um conjunto de moletom e muda. Com certeza ele imagina que sou débil mental.

"Oi". Aquela voz me pegou totalmente desprevenida. Eu não estava preparada para esse baque. Quem é você coisa linda?

"Oi..." respondi, visivelmente afetada por aquele ruivo, que sorria amplamente em minha direção. Será que morri e não estou sabendo?

"Você é..." Ele tentou entender o motivo de minha súbita intromissão, enquanto a música alta continuava a tocar em um ritmo incessante e odioso.

"A Simone está?" Enfim recuperei minha razão, a qual havia perdido anteriormente. Por culpa de um cara que nunca vi antes. E que nem sei quem é.

"Ah...a Simone? Não, ela deu uma saída. Foi comprar mais bebidas." Respondeu-me animado, seus olhos analisando-me sem pudor.

Senti-me nua. Me olhava de uma maneira quase evasiva, como se pudesse ver minha alma. Senti aquele leve frio na espinha dorsal. Mas o que esse completo estranho está fazendo comigo?

"Ah...que pena. Queria pedir se ela não poderia abaixar o volume do som, pois sou sua vizinha e estou tentando estudar para uma prova importante." Saiu mais rápido do que pude controlar. As palavras simplesmente pulam de minha boca quando estou nervosa.

"A música está te atrapalhando? Me desculpe, vou abaixar agora mesmo." Que garoto rápido! Gostei disso. Em menos de um minuto, ele desligou aquele suplício e retornou a porta, parando novamente em minha frente. "Feito senhorita...?"

Se eu falaria meu nome? Mas é claro que não! Como daria intimidade a um cara que não conheço? Ainda mais que é amigo da Simone? Nunca!

"Obrigada por desligar a música! Fico muito grata. Mas preciso voltar agora para meus estudos. Mais uma vez agradecida..." Despedi-me rapidamente antes que cometesse uma loucura de proporções épicas.

"Mas você nem me disse seu nome?!" Escutei ele gritar antes de entrar em meu apartamento. Fechei a porta, escorando-me na mesma, e deslizando até o chão. Minhas pernas estavam bambas. Pela emoção da conversa. Pela beleza gritante daquele cara.
E pelo jeito como me deixei afetar por ele. Me senti fraca. Me odiei por dentro por ser tão fácil. Prometi a mim mesma que não me deixaria levar por homem nenhum. E até agora estava conseguindo.

Depois do que pareceu uma eternidade, enfim levantei-me do chão, andando em direção ao meu quarto. Peguei os slides impressos e minha xícara de café já frio, indo até a sala.

Sentei confortavelmente em minha poltrona, pegando a primeira folha para leitura, mas toda a minha concentração agora havia ido para o espaço. Meus pensamentos pairavam justamente naquele ruivo que se encontrava no apartamento de Simone. Seria ele seu parente? Um primo? Irmão? Melhor amigo gay?

A quem estava tentando enganar? Mas é claro que aquela obra prima era bem mais do que um mero conhecido de Simone. Logicamente era. Quer dizer, qual a possibilidade de um cara gostoso daqueles ser somente amigo dela? Quase nula. E isso reforça a minha teoria de que os rapazes bonitos ou são comprometidos, ou são gays. Sem esquecer a pequena exceção de rapazes solteiros, bonitos e galinhas. Pensava eu em qual quesito o ruivo de encaixava.

Me perdi no tempo em que fiquei analisando todas as probabilidades a respeito do cara que fez meu coração acelerar mais rápido. Ao fundo comecei a ouvir um zunido. E após alguns segundos, constatei que era a campainha do meu apartamento.

Quem seria a esta hora? Odiava visitas inoportunas. Odiava ser incomodada em meu santuário. Espero que a pessoa tenha o mínimo de noção disso ao ter vindo aqui. Detesto ser grossa sem necessidade. Mas se a situação exigisse, não havia nada e nem ninguém que pudesse me impedir de falar. Esteja preparada para aguentar as consequências, pessoa sem noção que ousou vir me interromper em uma quarta à noite. Espero que tenha trazido seu colete à prova de balas.

A garota dos fones de ouvidoWhere stories live. Discover now