VINTE E QUATRO

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Passei boa parte da noite nos braços de Johann, e ao final da mesma, dormimos abraçados de conchinha. Chichê eu sei, mas nem por isso deixa de ser uma das melhores coisas da vida.

O dia amanheceu e após uma noite maravilhosa, nos despedimos logo pela manhã. Afinal, todos temos compromissos. Mas combinamos de nos encontrar mais tarde, o que garantiria a minha animação durante o resto do dia.

Decidi que já era hora de ter uma conversa séria com Hugo. Meu melhor amigo. Devia isso a ele, e sabia que estava deixando-o de lado devido ao meu envolvimento com Johann.

Marcamos de nos vermos em uma sorveteira no centro. Sorvete é uma das minhas maiores paixões, e uma das coisas de que não abro mão. Nunca fui a louca das dietas, nem maluca em buscar o corpo perfeito. Sempre aceitei meu corpo do jeito que ele é. Mentira. Lógico que quando era adolescente odiava minhas curvas. Colocava camisetas com o triplo do meu tamanho para cobrir minha cintura por vergonha. Mas agora é diferente. Com o passar dos anos aprendi a me amar. A amar meu corpo, meu rosto, e a me aceitar com todas as minhas imperfeições.

Com o tempo e a maturidade, acabei percebendo que tudo acontece por um motivo. Mas onde o sorvete se encaixa nisso? Na parte boa lógico. Quando deixei de me preocupar com os rótulos, comecei a me sentir mais leve. Comecei a comer sem culpa. Sem medo de ser feliz. E sem preocupações com a balança. Claro que não como sorvete todos os dias, mas sempre que dá vontade sim, não nego. E estes pequenos gestos me fazem tão bem, tão mais feliz.

Chegando ao nosso ponto de encontro, avistei o moreno sentado em um dos bancos, olhando fixamente para a tela do celular. Apenas sorri internamente pela alegria de rever meu amigo e andei calmamente em sua direção.

"O que está vendo de tão interessante aí?" Brinquei com Hugo, que levantou a cabeça, avistando-me. Seus olhos denunciavam surpresa.

"Nada demais. Apenas stalkeando alguns famosos. Nada de anormal." Sorriu fraco, guardando o celular no bolso.

"Você e essa sua mania de stalkear os outros..." Não podia falar muito, já que também fazia a mesma coisa.

"Engraçadinha você Gabs..." Como já estava acostumada com a ironia e o humor ácido de Hugo, apenas sorri em concordância.

"E então, já pediu alguma coisa?" Resolvi perguntar, morrendo de vontade de comer tudo o que tivesse direito.

"Ainda não. Estava te esperando." Apenas respondeu, olhando para os lados, parecendo entendiado. O que será que estava acontecendo?

"Escute Hugo, te chamei aqui por um motivo muito sério. Precisamos conversar sobre Johann." Fui direto ao ponto. Com ele não precisava fazer rodeios. Nem gostava desta ideia.

"Por que precisamos conversar sobre aquele lá? Não há nada para conversarmos sobre o ruivo de farmácia Gabriela!" Já vi que esta conversa vai ser mais difícil do que pensava.

"Hugo! Não chame o meu namorado assim!" Respondi, um pouco ofendida pelas palavras de meu melhor amigo.

"Namorado Gabs? Por acaso o cenourinha te pediu em namoro é?" Mas que atrevimento!

"Bem...Johann não disse com essas palavras, mas, depois de tudo que fizemos...é lógico que somos." Esta era uma resposta óbvia. Só faltava fazer Hugo entender.

"Ah...entendo. Então o ferrugem não disse que era seu namorado, mesmo você já tendo dormido com ele e tudo mais? Interessante..." Hugo zombava da minha ralação com Johann, o que me pegou de surpresa.

"Como disse?" Me recusava a ouvir aquilo novamente. Mas precisava ter certeza de que Hugo não era essa pessoa maldosa que estava agora na minha frente.

"Não se faça de sonsa Gabriela. Você não é burra. Entendeu muito bem o que quis dizer. Como pôde se entregar para aquele cara sem nem terem algo sério ainda? Foi fácil demais! Daqui a pouco o cabelo de fogo te dispensa, já que teve tudo que queria..." Aquilo doeu. Doeu mais do que um tapa na cara. Meu melhor amigo me dizendo todas essas sandices era demais para suportar calada.

"Retire o que disse..." Comecei, fuzilando aqueles olhos, dando uma última chance de um pedido de desculpas.

"Não irei fazer isso, até porque não disse nenhuma mentira. Ou vai negar que já transou com ele Gabriela? Vai ter coragem de negar isso?" Segurava meus dedos firmemente, controlando minhas emoções. Mas era praticamente impossível domar toda a decepção que estava sentindo naquele momento.

Não parecia Hugo. Aquele não era meu amigo. Talvez fosse um clone, tentando se passar por ele e fracassando miseravelmente? 

"Como pode dizer todas essas coisas? Quem pensa que é? Meu pai? Se bem que nem meu pai é tão intrometido assim em minha vida sexual!" Levantei o tom de voz, mais alto do que deveria, o que fez com que a sorveteria inteira olhasse para nós.

Agora era tarde demais para arrependimentos. E meu discurso precisava ser concluído, já que Hugo parecia ter perdido a capacidade da fala.

"Podia esperar essa atitude até de Tábata, que afinal de contas é minha irmã mais velha, mas não de você Hugo! Você não tem nenhum direito de dizer como devo viver a minha vida! Vejo que esta conversa foi um erro. Um tremendo engano. O que estava pensando quando resolvi conversar com você sobre a pessoa que eu amo?" Com lágrimas nos olhos e com o coração doendo de tristeza, levantei-me e deixei Hugo lá, plantado como uma pedra, falando sozinho.

Hugo chamava meu nome, gritava, mas não olhei para trás. Somente escutei passos largos atrás de mim, e um puxão no braço, me fazendo parar mesmo sem querer.

"Me solta!" Gritei. A raiva visível em meus olhos, refletida nas orbes de Hugo.

"Gabriela, eu não quis..." Ele bem que tentou se justificar, mas agora quem não queria ouvir mais nada era eu.

"Não precisa falar mais nada. Eu não quero ouvir mais nada! Acho melhor nós darmos um tempo...da nossa amizade..." Ainda chorava, abalada demais por tudo que já havia escutado.

"Não! Você só pode estar de brincadeira! Vai me trocar por aquele ruivo de academia?" Hugo estava fora de si. O que somente aumentou a minha vontade de ficar longe dele.

"Não foi isso que quis dizer e você sabe! Por que é tão difícil aceitar que eu amo Johann?" Minha voz saiu falha, denunciando a tristeza por esta conversa, a qual poderia ter sido evitada, não fosse a imaturidade de meu amigo.

"Porque eu te amo Gabriela! Porque eu sou completamente apaixonado por você! Será que é tão difícil assim perceber isso?" Hugo pronunciou as palavras. Aquelas palavras que no fundo eu sabia, mas ignorava e torcia para que fossem mentira. "Esse é o único motivo pelo qual não quero você com aquele ruivo metido! Porque eu te quero para mim!" Hugo estava muito perto. Sentia seu hálito em meu rosto, sua respiração ofegante, e meu cérebro começou a falhar.

Sentia-me tonta. Em um beco sem saída. Como se nada pudesse me tirar dessa situação ao qual tentei tanto evitar. Quebrei o coração de Hugo, tentando consertar o meu. O que foi que fiz?

A garota dos fones de ouvidoWhere stories live. Discover now