DOIS

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"Tábata. Então é você..." Sorri fraco ao avistar minha irmã mais velha.

"Quem mais seria? Quem mais viria te visitar?" Essa doeu.

"Papai e mamãe?" Respondi, um pouco magoada. Mentira. Isso não me afetava.

"Além deles pessoa linda." Sibilou cantarolante, enquanto entrava em meu apartamento, dirigindo-se até a cozinha.

"Hugo oras!" Como ela havia esquecido do meu melhor amigo?

"Hugo também não conta. Ele é quase parte da mobília já." Soltou uma risada, olhando em minha direção.

"Não fale assim dele...Hugo não tem culpa de não ter muitos amigos." Disse, ajudando-a a arrumar a mesa para um pequeno lanche.

"Certo...certo. Não está mais aqui quem falou." Rendeu-se, levantando as mãos.

"Bom. Mas me diz o que te trouxe até aqui? Ainda não me contou o motivo da visita." Perguntei curiosa, enquanto fazia um sanduíche.

"Tenho novidades!" Falou eufórica, animada demais até mesmo para ela.

"Nossa! Deve ser algo muito bom pela sua cara!" Mas isso não era difícil de supor, devido ao seu rosto ter se aberto em um sorriso largo. Isso somente me deixava ainda mais curiosa.

"É muito mais que bom. É a melhor coisa que me aconteceu em muito tempo! Vou comemorar meu aniversário naquela boate do centro!" Contou-me, em meio a pulos na cozinha.

"Aquela boate granfina?" Falei sem acreditar.

"Sim! Aquela mesmo! Não é maravilhoso? Sábado promete maninha! Você vai não é?" Me olhou, a esperança tomando conta de seus olhos.

A verdade é que não tenho a menor vontade de ir. Não gosto muito de boates. Mas é o aniversário da minha única irmã, então assim me sinto em dívida com ela.

"Eu não sei Tabs..." A dúvida ainda pairava a minha cabeça.

"Ah...por favor Gabs!!! Me diz que vai! Você precisa ir!!! Não vai ser a mesma coisa sem você! Por favor?" Tábata me olhava com um olhar pidão. O que me fez tomar finalmente a minha decisão.

"Está bem! Está bem! Eu vou! Está contente agora?" Não demorou muito para que Tábata me abraçasse, demonstrando toda a euforia que estava sentindo.

Depois do que pareceram umas duas horas, minha irmã finalmente decidiu voltar para casa. E com ela a minha vontade de estudar foi junto. Joguei-me no sofá a procura de algum filme interessante na televisão, e quando dei por mim, havia adormecido.

Constatei isso exatamente às três e quatorze da madrugada, quando acordei de relance e percebi que estava no sofá. Logicamente fui em busca da minha cama quentinha, confirmando se o despertador estava ativado, e dormi mais algumas horas.

Acordei com o barulho familiar do alarme do celular, mesmo que quisesse ficar muito mais tempo na cama. Acabei enrolando uma meia hora antes de finalmente levantar e me arrumar para o trabalho.

Tinha exatos quarenta minutos para estar pronta, descer e chegar ao metrô. Em alguns minutos meu cabelo já estava devidamente penteado, rosto lavado (não uso muita maquiagem durante o dia) e roupa alinhada. Tudo pronto.

Compraria um café no metrô antes de chegar ao trabalho, afinal, meu estômago meio que rejeita qualquer tipo de alimento cedo pela manhã. Baforei meu perfume e fechei a porta do apartamento, indo até o elevador.

Logicamente meus melhores amigos vieram junto. Meus fones de ouvido inseparáveis. Ajustei o play e começou a tocar uma melodia familar aos meus ouvidos. Sex on fire, do Kings of Leon. Estava tão distraída, que não percebi que havia mais alguém no elevador comigo.

Mantinha a cabeça abaixada, respondendo algumas mensagens no celular, sem me importar com a pessoa ao meu lado. Para mim era apenas um vulto. Um vulto masculino. Um vulto muito cheiroso. Aquele cheiro de homem que entra em suas narinas e te deixa praticamente sem conseguir pensar direito. Exatamente esse cheiro que o indivíduo possuía.

Fechei meus olhos, procurando uma estabilidade que sabia que não tinha naquele momento. E após isso, o negócio só piorou. Decidi, digamos, que foi a pior decisão que poderia ter tomado naquela hora, levantar a cabeça e dar uma olhada no dono daquele perfume. Não me julguem, a minha curiosidade é uma das maiores coisas que não consigo controlar.

Meus olhos ficaram presos nos dele. Por mais que três segundos. E todos sabemos que se olhamos alguém por mais de três segundos, a situação fica um pouco estranha. Talvez eu devesse tentar dizer alguma coisa ao invés de somente encará-lo como uma psicopata.

Seria o destino confabulando contra mim? Não conseguia pensar em outra alternativa para que aquele ruivo gostoso que estava no apartamento de Simone ontem, estivesse agora, neste exato momento, ao meu lado, sorrindo torto. Onde fui amarrar meu bode?

"Você ainda não me disse..." Aquela voz inundou o pequeno elevador, causando um arrepio em meu corpo. Desgraçado.

"O quê?" Tirei os fones de ouvido e virei-me para o ruivo, fingindo demência.

"Seu nome. Você não me disse seu nome, vizinha da Simone..." Era bom demais para ser verdade. Um sorriso encantador, a essa hora da manhã, de um desconhecido lindo... Só podia ser pegadinha.

Primeiro. Porque caras lindos como esse não costumam puxar assunto comigo. Segundo. Porque a cena é tão bizarra que poderia ser a cena de um seriado. E terceiro. Porque eu sou a última garota que estaria desesperada por um namorado.

"Meu nome? E por que eu deveria te dizer? Ou melhor? Por que você não me diz o seu nome primeiro?" Rebati. Mas não se preocupem. Garanto que não fui tão grossa quanto pareceu. Usei meu velho tom diplomático e minha alta dosagem de meiguice com ele. Só penso assim pois uma vez, uma tia minha me disse que era muito meiga. Isso foi há cinco anos, mas para mim ainda conta.

"Johann. Me chamo Johann. Sua vez." Se aquele olhar falasse, juro que denunciava toda a safadeza dele.

Em momento algum, Johann pareceu ofendido com as minhas respostas. Muito menos surpreso. Pelo contrário, ao que dava a entender, estava adorando tudo aquilo. Pois continuava sorrindo e me deixando cada vez mais desconcertada.

"Gabriela." Resolvi dar o braço a torcer. E quando percebi, já estávamos parados no térreo do edifício. Desde quando fico dando assunto para estranhos?

Está bem, eu admito que ele é muito, mas muito gato. Mas não o conheço. Não sei nada sobre a sua vida, além da recente descoberta do seu nome. E do seu perfume ser maravilhoso. E da sua camisa branca definir seu peitoral...

Chega Gabriela! Volte à realidade. Dispense o ruivo. Afinal, já está atrasada.

"Tenho que ir." Digo, e nisso me despeço rapidamente com um aceno de cabeça.

"Nós ainda vamos nos ver muito, Gabriela..." Alguém proíbe aquele ser humano de sorrir desse jeito?

Johann. Johann. Johann. Estava eu, dentro do metrô, cantarolando o nome do ruivo em uma melodia sem fim. Tinha medo do que já sabia, mas não tinha coragem de admitir. Johann havia despertado em mim um sentimento que há muito tempo não sentia. E, contra a minha vontade, e contra tudo o que julgava ser correto, me neguei a assumir para mim mesma a irremediável atração que sentia por ele.

Será que iria vê-lo novamente mesmo? Ou seria um blefe? Poderia negar com a cabeça, mas o resto do meu corpo continuava chamando seu nome.

A garota dos fones de ouvidoOnde histórias criam vida. Descubra agora