DOZE

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Não havia como escapar. Era um encontro inevitável. Tinha duas escolhas. Levantar e procurar outro lugar, ou fingir que não os conhecia. A terceira opção não era nenhuma opção. Não seria eu que os cumprimentaria.

Isso pode parecer rude, mas a verdade é que estou confusa demais com meus sentimentos por Johann para sequer cogitar a hipótese de fingir que está tudo bem. Levanto a cabeça mais uma vez, e nossos olhares se encontram. Aqueles olhos eram a minha perdição. E lógico que esse fato não passou batido por Simone.

A loira me fuzilou com o olhar, assim que percebeu que o ruivo e eu nos encarávamos mais do que deveríamos.

"Perdeu alguma coisa aqui, querida?" Seu tom era ácido, e suas palavras secas como um vento gelado.

"Não." Me limitei a responder, abaixando mais uma vez a cabeça, tentanto esquecer a existência daquela pessoa à minha frente. Mas ao que parece, ela não estava tão conformada assim em deixar passar.

"Não é o que parece. Já que está comendo-o com os olhos!" Que garota mais simpática! Nasceu para infernizar a minha vida.

"E qual é o seu problema com isso?" Queria avisar àquela sem sal que mexeu com a pessoa errada.

Odiava discussões em público. Odiava barracos. Gritos e ofensas. Não era comigo. Mas a partir do momento que alguém me desrespeita, esqueço todas as etiquetas e acabo virando outra pessoa. Alguém que não me orgulho de ser.

"O meu problema? Se olhe no espelho garota! Quem você pensa que é?" Aquela voz fina e elevada a um grau que faria qualquer pessoa ensurdecer já estava perturbando os passageiros, o que era de se esperar.

"Garota, você tem sérios problemas! Deveria ter cuidado com o que diz. Você nem me conhece..." Isso era um fato. Não nos conhecíamos bem o suficiente para que pudéssemos saber uma da outra. Mas sei que o que sabia sobre Simone já era suficiente para que tirasse minhas conclusões sobre ela. Conclusões essas as piores possíveis.

"Posso afirmar a mesma coisa, Gabriela..." Seu nível era baixo, e o desdém com que disse meu nome somente fez com que meu peito fervesse de raiva.

"Chega!!! Parem já com essa discussão idiota! Quantos anos vocês duas têm? Parecem duas crianças mimadas! Por favor!" O ruivo impôs seu estresse, levando as mãos ao cabelo, visivelmente cansado de ouvir nossa pequena discussão.

Não poderia culpá-lo. Realmente estava me comportando como uma menina de colegial. Uma adolescente qualquer, querendo provar ser algo que não é. Simone podia ser assim, mas essa não era eu.

"Eu...confesso que me exaltei um pouco..." Posso ser a pessoa mais grossa do mundo, mas sei admitir meus erros quando os cometo. O que foi o caso aqui.

"Um pouco? Você é louca! Praticamente quase me bateu a troco de nada!" Que Simone era uma pessoa difícil, isso eu já sabia. Mas daí a inventar coisas?

"COMO É QUE É?" Prazer. Gabriela grossa Mentger.

"Pare de se fazer de vítima! Admita que estava dando em cima do Johann!!!" Mas além de mal amada, ainda é insegura! Quem diria?

"E se eu estivesse olhando para ele? Não sou cega! E também não foi nada demais! Além do mais, ele também estava me encarando!" Soltei uma risadinha debochada, adorando ver aquela loira de farmácia descer do salto.

"Sua! Sua...piranha!!!" Simone teve a audácia de tentar me dar um tapa. Logicamente foi contida pelos braços fortes de Johann, que a impediam de me alcançar.

"Acho melhor você ir para outro vagão Gabriela..." O ruivo parecia realmente preocupado comigo, apesar de tudo. Sabia que ele estava certo.

Apenas assenti com a cabeça em concordância antes de me afastar do casal, sendo observada por todos os presentes. O que foi muito desconfortável. Andei quatro vagões até chegar ao último, e encontrar um lugar vazio ao lado de um rapaz com fones. Perfeito. Coloquei os meus, respirando fundo, tentando assimilar tudo o que hoje há minutos atrás.

Poderia eu ter transtorno de personalidade? Não estava me reconhecendo mais. Toda aquela discussão com a loira aguada me deixou sem forças mentais e psicológicas. De repente senti-me fraca, e impotente. Onde estava com a cabeça?

Em qualquer lugar, menos onde deveria estar. Por que não pude deixar para lá, como sempre fazia? O que me fez mudar tão drasticamente, como da água para o vinho?

Sabia bem a resposta. E ela atendia pelo nome de Johann. Um problema grande demais para ser controlado. Um problema que insistiu em entrar na minha vida, e que agora, eu não sabia como expulsá-lo.

Quando cheguei à estação, desci rapidamente em direção ao banheiro mais próximo. Precisava me recompor antes de seguir viagem. Penteei meus cabelos em frente ao enorme espelho, sibilando algumas frases sem nexo. Mas falar sozinha não era nenhuma novidade. Ainda mais quando estava muito nervosa.

Enfim, depois do que pareceu ser dez minutos, saí do toalete, resolvendo procurar um uber, o que consegui logo. Chegando no trabalho, fiquei mais do que contente quando me deparei com a minha mesa cheia de papéis. Isso significava que teria que cumprir hora extra.

Foi a melhor coisa que poderia ter acontecido hoje. Depois do episódio no metrô, qualquer coisa era melhor. Antes de começar o trabalho árduo, fui até a cozinha preparar um café, o que me ajudaria a passar o tempo sem um grande cansaço.

Após o café já estar na minha xícara, dirigi-me até minha mesa, analisando toda aquela documentação. Vai dar um enorme trabalho organizar tudo. Mas olhando pelo lado positivo, isso afastaria meus pensamentos da tentação ruiva.

Coloquei meu celular no silencioso. Afinal, não queria ser perturbada hoje mais do que já fui. Mas assim que colocava o pequeno objeto na gaveta, o visor começou a piscar. Só veria o que era e voltaria minha atenção ao que realmente importava.

Era Johann. Estava me ligando. Mas era só o que me faltava. Logicamente não atendi. E não atenderia tão cedo. Mas o que estou dizendo? Mal acabei de dizer que queria evitar de pensar nele, e já cometo um erro desses!

Sei que prometi não pensar mais em Johann. E em seus braços fortes, que praticamente saltaram da sua camiseta branca...

Olhe eu novamente pagando com a boca...

Mas o fato é que a minha imaginação fértil foi longe durante o dia todo. Não consegui parar de pensar nele, e em toda aquela confusão. Foi mais forte do que pude controlar.

Quando dei por mim, já eram dez da noite. As horas passaram em um ritmo acelerado, e praticamente fiz tudo no piloto automático o dia inteiro. Podia estar no trabalho, procurando uma concentração, mas a verdade era que passei todas essas horas pensando no ruivo. E em como me sentia em relação à ele, e a tudo o que houve.

Poderia eu estar agindo tão irracionalmente? Sendo até cega? Deixando minhas emoções tomarem conta da minha razão? Não era possível. Simplesmente não era possível que estava me deixando levar por um ruivo metido a gostoso. Ok, ele é gostoso mesmo. Mas isso não vem ao caso. Quantos caras lindos existem por aí? Por que ele? Justo o ruivo, que já tem dona?

Johann estava brincando com a minha cabeça, e com o meu coração, sem remorso algum. Analisava friamente esse fato enquanto voltava para meu apartamento. Em meus fones, somente as músicas mais deprimentes. Sinto que combinavam perfeitamente com o momento no qual me encontrava.

E depois do que foi somente um borrão de dia tedioso, finalmente lar doce lar. Tudo estava em seu devido lugar, quando avistei meu prédio. E o alívio foi tomando conta do meu coração ao chegar ao elevador.

Mas aquele monstro resolveu aparecer do nada e acabar ainda mais com aqueles momentos de paz. Aquele monstro ruivo, que parou bem ao meu lado, apertando o botão do elevador.

"Precisamos conversar."

A garota dos fones de ouvidoWhere stories live. Discover now