VINTE E CINCO

106 16 3
                                    

"Por mais que quisesse negar a existência da culpa, ela ainda estava lá. Teimosa, rondando a minha cabeça, tentando entrar de todas as formas e querendo me fazer sentir um ser humano horrível por não pensar nos sentimentos de Hugo"

"Uau! Mas que piranha!" Aquela voz. Aquele som insuportável e estridente. Simplesmente virei-me na direção daquele som, encontrando a dona da voz que soou mais alta do que deveria. Hugo e eu nos afastamos mais rápido do que nossos raciocínios juntos.

"Como é?" Elevei meu tom de voz, andando em direção à loira aguada, que estava a poucos metros de distância.

"Piranha! Vagabunda! Diz que ama o Johann e te encontro aqui agarrada com esse tipinho sem graça? Mas que mau gosto!" Simone conseguiu tirar todo o fim de paciência que ainda tinha, o que já não era muita.

"Ora sua..." Vontade de quebrar a cara dessa descarada eu tinha. Mas os braços de Hugo foram mais fortes do que eu, me segurando no exato momento em que fiz menção de atacar.

"Mas olha só! Que coisa mais linda! Segura bem ela viu? Vai que ainda não foi vacinada contra a raiva..." Agora foi a gota d'água.

Dei um puxão forte no braço de Hugo, que não fez mais esforço para me segurar. Acredito que até ele queria ver aquela loira azeda apanhando. Simone ainda sorria, em uma vitória praticamente ilusória, quando a peguei pelo pescoço.

"Escuta aqui...excremento de ser humano..." Segurava seu pescoço fino com as duas mãos, fazendo com que ela se inclinasse e começasse a gemer de dor, tentando se soltar sem sucesso. Minha raiva era maior do que sua força.

"Me solta! Está me enforcando...sua louca!!" Nada do que Simone fosse dizer poderia me fazer parar.

"Não irei soltar. Não até você me pedir desculpas! Você não sabe com quem está lidando..." Não sei bem ao certo de onde veio toda aquela coragem recém descoberta, mas estava adorando.

"Está bem, está bem...desculpa..." Disse, sua voz soando abafada pela falta de ar. Talvez eu fui muito dura com ela?

Soltei seu pescoço rapidamente, esperando a loira se recompor em minha frente. Seus cabelos eram uma bagunça, e seu rosto foi tomado por uma vermelhidão. O doce sabor da vitória estufou meu peito.

"Prontinho madame. Bem melhor assim." Bati uma mão na outra, sorrindo sinicamente.

Simone estava atordoada, perdida. Apenas me encarou uma última vez antes de partir em retirada.

"Posso ter perdido a batalha, mas não perdi a guerra!" Seus olhos espumavam raiva. Tomara que isso não passe pelo ar.

Meu coração estava acelerado demais para que minha razão conseguisse processar qualquer coisa. Apenas segurei meu peito, encontrando uma parada de ônibus onde pude me sentar e me recompor do baque.

Hugo me acompanhava como uma sombra. Não havia dito sequer uma palavra desde nossa discussão. Sentou-se ao meu lado no banco, suspirando pesadamente. Depois do que pareceu cinco minutos de puro silêncio, enfim Hugo se pronunciou.

"Veja só a que ponto chegamos." Mantinha a cabeça baixa, parecendo desapontado. Bom, éramos dois.

"Não sei nem o que dizer...Quando Simone começou a me insultar, perdi completamente a razão. Deixei minhas emoções tomarem conta e acabei fazendo burrada..." Hugo concordava com a cabeça, olhando-me em sinal de concordância.

"O fato de que estou aqui com você agora não muda em nada o que lhe disse antes." Meu amigo me olhava de uma forma estranha, deixando bem claro que não esqueceria que se declarou para mim. O que só me deixou mais sem jeito ainda.

"Olha Hugo, eu...não posso te corresponder da mesma maneira, eu sinto muito..." Encarava aqueles olhos verdes, procurando compreensão. Mas era muito provável que isso não acontecesse tão cedo. Minhas palavras fizeram com que Hugo controlasse suas emoções. Controlava-se para não chorar, assim como eu.

"Entendi. Entendi perfeitamente Gabriela. Você fez sua escolha. Depois não diga que não lhe avisei sobre o ruivo de farmácia. E quando estiver com o coração quebrado assim como o meu está agora, não adianta vir correndo atrás de mim para te ajudar a juntar os cacos..." Meus olhos arregalaram-se pelas palavras de meu amigo, que mesmo vendo como me afetou, levantou-se em um momento de puro rancor e seguiu no caminho oposto.

Hugo se foi. Mas deixou meu peito vazio. Meu melhor amigo me abandonou no momento que eu mais precisava. Nem preciso dizer que chorei. Não sei por quanto tempo chorei sentada naquela parada de ônibus. Sozinha. Como uma criança sem presente no Natal. Não queria consolo de ninguém no momento, apenas queria carregar a culpa enquanto andava de volta ao meu apartamento.

Mas no meio do caminho, começou uma chuva muito forte, o que fez com que acabasse me molhando até encontrar um abrigo embaixo de uma boutique. Faltavam quatro quadras para chegar em casa. Comecei a fazer os cálculos para quem ligaria, pedindo que me buscasse.

Tàbata. Liguei cinco vezes e o telefone somente chamava até cair. Onde essa maluca se meteu?

A segunda opção seria Hugo. Mas agora ele era a última pessoa para quem pediria um favor.

Só sobrou uma alternativa. Johann. Não queria que ele me visse assim. Vulnerável. Fraca. Mas não havia mais ninguém para quem pudesse ligar. Meus pais eram uma questão fora de cogitação. Como eu, que queria mostrar à eles que era totalmente independente e sabia me virar muito bem sozinha, pediria uma coisa dessas? Me encheriam de perguntas desnecessárias.

Segurava meu celular em minhas mãos, tremendo por tantos motivos misturados. E senti um grande alívio quando ouvi aquela voz grave e familiar do outro lado da linha. Suspirei em uma felicidade tamanha por Johann vir ao meu encontro. Logo que dei a minha localização, o ruivo prontamente se dispôs a vir ao meu socorro, e meu coração acalmou-se um pouco com a notícia.

Em pouco mais de quinze minutos, um jipe estacionou em frente à boutique, e aquela figura alta e esbelta desceu do carro com um guarda-chuva, vindo em minha direção.

Johann sorria para mim. Seu sorriso desconcertante, que me fazia sorrir de volta automaticamente. Como o ruivo conseguiu fazer um dia chuvoso ficar agradável aos meus olhos?

Não deixei ele falar. Em um milésimo de segundo, encaixei minhas mãos em suas costas, abraçando-o apertado. Logo ao meu rosto tocar seu pescoço, senti todo o calor que emanava daquele homem, seus braços fortes rodearam minha cintura, abandonando o guarda-chuva e fazendo com que o abraço ficasse mais apertado. Fechei os olhos apenas sentindo seu perfume, enquanto ele, entendendo o que realmente eu precisava, apenas me acalmou, mantendo-me presa junto à ele.

"Vamos para casa?" Pediu-me, sua voz rouca sussurrando em meu ouvido, fazendo com que o encarasse, concordando silenciosamente com a cabeça.

Meu cavalheiro ruivo não veio montado em um cavalo. Veio de jipe. Não possui armadura brilhante, somente um guarda-chuva e seu sorriso lindo que já serve para desarmar qualquer mulher. Mas quando estou em seus braços, me sinto em casa.

 Mas quando estou em seus braços, me sinto em casa

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.



A garota dos fones de ouvidoWhere stories live. Discover now